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25 de Abril de 2024
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    Ex-Prefeito e empresa terão que ressarcir R$ 526 mil ao Município de Canoas

    A 2ª Câmara Cível do TJRS manteve a sentença que condenou o ex-Prefeito de Canoas, Marcos Antônio Ronchetti, e o Instituto de Tecnologia Aplicada à Informação (ITEAI) a restituírem ao Município de Canoas o valor de R$ 526.676,84, relativo à compra de materiais de informática acima do necessário e de softwares destinados aos alunos de ensino médio, quando o Município não mantém escola de nível médio.

    Em 2003, Célio Romeu dos Santos ajuizou Ação Popular contra Ronchetti e o ITEAI, sustentando ter ocorrido prejuízos ao Município de Canoas na dispensa de licitação e contrato para a aquisição de computadores, softwares e demais equipamentos de informática, por meio do Contrato nº 98/2001, firmado entre o Município e o ITEAI.

    A sentença condenatória é de março de 2006, do Juiz de Direito

    Paulo César Filippon. Ambos recorreram da decisão ao Tribunal de Justiça.

    Com a decisão do colegiado, é reconhecida a lesão aos cofres municipais da compra de computadores, softwares e demais equipamentos de informática.

    A quantia total foi apurada pelo Tribunal de Contas e deverá ser atualizada monetariamente pelo IGP-M desde a data do desembolso, acrescido de juros moratórios a contar da citação. O Tribunal modificou a sentença apenas para considerar que o valor do dano foi demonstrado durante o curso do processo, não podendo ser majorado em liquidação de sentença.

    Para o Desembargador Arno Werlang, "é evidente a existência de lesão ao erário, bem como a responsabilidade dos apelantes pelos prejuízos causados aos cofres municipais - já que comprovado o descaso e a má-utilização da verba pública - os quais agiram, no mínimo, de forma culposa (negligente) no trato da coisa pública".

    Afirmou ainda o julgador que "restou comprovado, nos autos, que houve a contratação ilegal de uma empresa, a compra de produtos que não atendiam as reais necessidades educacionais do município e lesão aos cofres públicos, que devem ser, por via de conseqüência, ressarcidos". E continuou: "Ora, se o município não possui escolas de ensino médio, por que adquiriu softwares que não seriam utilizados? Por que não buscou um convenio com o Estado para que fosse permitida a utilização dos laboratórios pelos alunos da rede pública estadual? Por que contratou, em escancarado favorecimento, uma empresa, que ainda por cima não era idônea?"

    Acompanharam o voto do relator a Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro e o Juiz-Convocado ao TJ Miguel Ângelo da Silva.

    Abaixo, a transcrição da íntegra do acórdão da 2ª Câmara Cível.

    Proc. 70019346154

    PELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO POPULAR. REQUISITOS. ILEGALIDADE E LESIVIDADE. CONFIGURAÇÃO. EMPRESA CONTRATADA ILEGALMENTE SEM LICITAÇÃO. compra desnecessária de softwares educacionais. nulidade do contrato. condenação ao ressarcimento do erário municipal. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.

    A decisão do Tribunal de Contas não tem força de, por si só, impedir a apreciação de eventual ilegalidade ou lesividade do ato pelo Poder Judiciário, tendo em vista o princípio da separação dos Poderes e, principalmente, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, insculpidos, respectivamente, nos artigos e , inciso XXXV , da Constituição da República. A licitação para a aquisição de bens e serviços é a regra no direito público. A dispensa é a exceção, a qual pode ocorrer, segundo o art. 24 , inc. XIII , da Lei 8.666 /93: "na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos". Somente será válida a liberação da obrigação de licitar se precedida da competente justificativa. ("Este é o arrazoado, que, partindo de certas premissas, chega a uma conclusão, no caso, a liberação dessa responsabilidade. Não é uma simples afirmação, do tipo"eu acho"ou"eu entendo"que se trata de caso de dispensabilidade de licitação ou de que a situação se enquadra no inciso tal ou qual do art. 24 da Lei Federal de Licitações e Contratos da Administração Pública".). (Doutrina). A contratação ilegal, sem anterior processo licitatório, per si, presume a lesividade. Somado às circunstâncias da ausência de justificação para a dispensa da licitação, a não comprovação da regularidade da contratada e, ainda, diante da aquisição desnecessária de softwares (destinados ao ensino médio, sem ao menos o município possuir escola de nível médio), conforme destacado no relatório do Tribunal de Contas do Estado (fls.30/32). Reconhecida a lesão aos cofres municipais, demonstrado o valor do dano, e formulado o pedido certo pelo autor, não pode este ser aumentado em liquidação de sentença, pena haver julgamento além do pedido. Respondem solidariamente os responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados ao erário. Os honorários devem ser fixados segundo as circunstâncias do art. 20 , § 3º do CPC .

    preliminares rejeitadaS, apelações desprovidas. sentença modificada em parte, de ofício, QUANTO AO VALOR DO DANO.

    Apelação Cível

    Segunda Câmara Cível - Regime de Exceção

    Nº 70019346154

    Comarca de Canoas

    MARCOS ANTONIO RONCHETTI

    APELANTE

    INSTITUTO DE TECNOLOGIA APLICADA A INFORMACAO ITEAI

    APELANTE

    CELIO ROMEU DOS SANTOS

    APELADO

    MUNICIPIO DE CANOAS

    APELADO

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos.

    Acordam os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Cível - Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar as preliminares, negar provimento às apelações e modificar a sentença em parte, de ofício, quanto ao valor do dano.

    Custas na forma da lei.

    Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro e Dr. Miguel Ângelo da Silva .

    Porto Alegre, 11 de fevereiro de 2009.

    DES. ARNO WERLANG,

    Relator.

    RELATÓRIO

    DES. ARNO WERLANG - (RELATOR).

    Trata-se de apelações interpostas por Marcos Antônio Ronchetti e pelo Instituto de Tecnologia Aplicada à Informação - ITEAI da sentença que, em autos de ação popular ajuizada por Célio Romeu dos Santos contra os recorrentes e o Município de Canoas , julgou procedente o pedido, declarando nulo o contrato n.º 98/01, entabulado entre o ente público e o ITEAI, por haver violação às normas contidas na Lei n.º 8.666 /93, condenando os recorrentes à restituição ao erário municipal da importância de R$ 526.676,84, referente aos valores gastos com a compra dos softwares em número acima do necessário, bem como os destinados aos alunos de ensino médio, montante a ser atualizado monetariamente pelo IGPM desde a data do desembolso pelo município e acrescido de juros moratórios a contar da citação, condenando os apelantes, ainda, à restituição do valor da diferença entre o que foi gasto na compra de programas, equipamentos e móveis, em razão do superfaturamento, a ser apurado em liquidação por arbitramento, impondo aos demandados, por fim, a condenação ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao procurador do requerente, estes fixados em R$ 20.000,00, valor a ser corrigido pela variação do IGPM a partir da publicação da sentença (fls. 1.426/1.440).

    Alega o primeiro apelante, preliminarmente, que o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, uma vez que a ação popular possui três requisitos, quais sejam, a condição de eleitor do autor, a ilegalidade e a lesividade do ato, não sendo preenchidos os dois últimos, bem como pelo fato de não ser possível desconstituir o ato administrativo atacado sem rescindir também a decisão do Tribunal de Contas do Estado que emitiu parecer favorável, a qual, todavia, não é objeto da presente demanda. No mérito, sustenta a legalidade do ato, dizendo que a fundamentação da sentença não está de acordo com a prova produzida nos autos, uma vez que, ao contrário do que afirmado na decisão a quo , a dispensa da licitação foi precedida do procedimento administrativo necessário, no qual foi justificada a escolha do fornecedor, bem como a forma de contratação. Argumenta, que a contratada, quando da realização do negócio, possuía inquestionável reputação ético-profissional, não sendo necessário o credenciamento junto ao Ministério da Educação ou ao Ministério da Ciência e Tecnologia para configuração do referido requisito. Afirma, outrossim, a inexistência de lesão ao erário, pois os softwares de nível médio foram destinados aos alunos que freqüentam o programa Educação de Jovens e Adultos - EJA, antigo supletivo, sendo tais cursos ministrados nas escolas públicas municipais, bem como utilizados pelos professores da rede municipal de ensino, muitos dos quais tinham apenas formação de nível médio. Diz que os softwares de nível médio são disponibilizados para uso da população dos bairros durante o período de duração do programa municipal denominado Ações Solidárias, ficando, também, permanentemente a disposição nas bibliotecas das escolas do município. Refere, ademais, que foi firmado contrato por preço global com a contratada, e não por preço unitário, de modo que é plenamente possível que alguns itens da proposta tenham preços unitários mais elevados dos que os das outras, desde que o preço global seja menor, não sendo possível, desse modo, a utilização como critério para apuração de eventual vantagem ou prejuízo o regime de execução por preço unitário. Aduz que as planilhas de preços unitários utilizadas como parâmetro para sugerir a glosa pelo TCE/RS não são contemporâneas aos contratos, tendo sido elaboradas meses após, não podendo ser utilizadas como critério de julgamento, bem como que não se pode, para se verificar se o município pagou preços acima dos praticados, adotar como critério comparativo um único contrato, impondo-se o exame da média do mercado. Arrazoa, igualmente, a existência de contradição na sentença, porquanto esta, em um primeiro momento, entendeu demonstrado que o preço praticado pelo Município de Canoas seria superior ao de mercado, tomando por base os valores referentes ao contrato firmado pelo Município de Taquara, todavia, posteriormente, afirmou a decisão que não haveria como saber se os preços do Município de Taquara seriam os de mercado, não sendo possível a condenação, visto que esta reclama a prova do dano, e não a mera suposição, impondo-se, portanto, a necessidade de prova pericial, não havendo sequer como saber, diante da ausência desta, se os equipamentos comparados seriam exatamente os mesmos. Alega, ademais, que não pode ser mantida sua condenação de ressarcimento ao erário, uma vez que não foi provado nos autos que teria agido com culpa, ônus que cabia ao recorrido. Alternativamente, postula a redução do valor dos honorários advocatícios fixados na sentença (fls. 1.454/1.529).

    O segundo apelante sustenta que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ofereceu denúncia contra o então Prefeito Municipal de Cambuí, o ora recorrente e outros, ante a prática de supostas infrações penais oriundas de dispensa de licitação, a qual foi rejeitada. Afirma que a dispensa da licitação por parte do Município de Canoas amparou-se na demonstração inequívoca que preenchia o recorrente todos os requisitos legais exigidos para a contratação direta, sendo legal a contratação sem licitação de instituição sem fins lucrativos para a implantação de plano pedagógico com informatização de escolas. Refere que o recorrido não traçou um paralelo entre o suposto prejuízo ao erário e eventual enriquecimento ilícito das partes envolvidas. Alega, também, que a responsabilidade pela dispensa do processo licitatório é exclusiva da Administração, não podendo ser responsabilizado por qualquer ato ilícito eventualmente praticado. Aduz que não é possível afirmar-se que o preço foi superfaturado, porquanto não há no mercado software similar do produzido pela apelante, bem como que, como o município está usufruindo do objeto contratado sem qualquer reclamação, descabido o ressarcimento de qualquer quantia ao erário, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração. Faz referência aos motivos de sua escolha para execução do contrato, afirmando, novamente, que preenche os requisitos legais necessários para a dispensa da licitação, tendo sido demonstrado o interesse público por tal decisão, bem como a razoabilidade do preço ajustado (fls. 1.533/1.556).

    Foram apresentadas contra-razões (fls. 1.583/1.586 e 1.587/1.598).

    Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo desprovimento de ambos os recursos (fls. 1.604/1.610).

    Após conclusos os autos peticionou o primeiro apelante, Prefeito Municipal de Canoas, requerendo a suspensão do processo, tendo em vista a tramitação simultânea de uma ação civil pública e de ação criminal envolvendo os mesmos fatos.

    Acostou novos documentos.

    Vieram conclusos.

    É o relatório.

    VOTOS

    Des. Arno Werlang (RELATOR)

    Eminentes Colegas. No que toca ao derradeiro pedido formulado pelo primeiro demandado, Marcos Antônio Ronchetti, no sentido da suspensão do presente processo, por responder também a uma Ação Civil Pública, em fase de instrução no primeiro grau e um Processo Criminal, perante a Quarta Câmara Criminal, indeferi o pedido por entender não haver conexão entre a ação popular, já em grau de recurso e a ação civil pública, ainda em instrução, e porque autônomas e independentes as esferas cível e criminal.

    Quanto à preliminar de extinção do processo sem julgamento de mérito suscitada pelo primeiro demandado, face a decisão favorável do Tribunal de Contas do Estado acerca da contratação versada nos autos, não se sustenta. A decisão do Tribunal de Contas não tem força de, por si só, impedir a apreciação de eventual ilegalidade ou lesividade do ato pelo Poder Judiciário, tendo em vista o princípio da separação dos Poderes e, principalmente, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, insculpidos, respectivamente, nos artigos e , inciso XXXV , da Constituição da República.

    Da mesma forma, não procede a alegação de que a anulação do ato administrativo significará também a rescisão da decisão do Tribunal de Contas, porque não é esta objeto da presente demanda e o ato administrativo atacado começou a produzir efeitos jurídicos já a partir da manifestação de vontade da Administração, estando sujeito a fiscalização pelo TCE tão-somente depois. Esta fiscalização, todavia, não faz com que a Corte de Contas torne-se co-autora do ato, consistindo tão-somente em uma das inúmeras formas de controle dos atos administrativos. Nesse passo, como a decisão do TCE apenas fiscaliza o ato, não há motivos para que figure também como objeto do feito, tendo em vista que nesta ação se contesta a conduta da Administração, e não a do Tribunal de Contas.

    No que toca à alegação de extinção do processo sem julgamento de mérito face a inexistência de ilegalidade e lesividade do ato atacado pela ação popular, se confunde com o mérito e será examinado conjuntamente com este.

    Quanto ao mérito, não procedem os recursos.

    A propósito, poucas vezes deparei com ação popular em que a responsabilidade dos acusados estivesse tão claramente demonstrada nos autos.

    O relatório dos Auditores do Tribunal de Contas constante do processo a partir de fls. 25, demonstra com absoluta convicção que a aquisição dos softwares e dos equipamentos de informática se deram de forma irregular.

    Não era caso de dispensa de licitação. Como bem referem os auditores: "...o real objetivo do instituto é a venda de softwares educacionais, computadores e equipamentos de informática, sendo assim, verifica-se a execução de atividades corriqueiras e ordinárias na área de informática, nada tendo a ver com pesquisas, ensino ou desenvolvimento institucional, além de que, existem inúmeras empresas fornecedoras desse tipo de equipamento e software (fl. 72 a 81), podendo citar-se, como exemplo, o Instituto São Paulo de Projetos de Informática, cujo objeto de prestação de serviços é o mesmo, sendo o contrato praticamente cópia do contrato do instituto ITEAI (fls. 83 a 90) ficando, dessa forma , descaracterizado o enquadramento por dispensa licitatória " (fl. 27).

    A licitação para a aquisição de bens e serviços é a regra no direito público. A dispensa é a exceção, a qual pode ocorrer, segundo o art. 24 , inc. XIII , da Lei 8.666 /93: "na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos" .

    Nesse sentido, e como se pode perceber, exige-se uma relação de pertinência absoluta entre a função da instituição e o objeto da contratação com a Administração, o que, conforme já mencionado, não ocorreu no caso em exame, pois, excetuada a contratação de assessoria técnica e pedagógica, os demais itens do contrato são produtos que podem ser adquiridos livremente no mercado, o que nos leva a concluir pela ilegalidade da dispensa da licitação, ainda mais nos moldes realizados, como bem registrado na sentença: "(...) o pacto previa a aquisição de 400 microcomputadores, 40 impressoras, 400 mesas para micro, 40 mesas para impressora, e não apenas a compra de programas, com a competente prestação de assessoria técnica e pedagógica. E para a aquisição desses equipamentos de informática e móveis, na medida em que podem ser adquiridos livremente no mercado , não se justifica, de forma alguma, a dispensa de licitação, com base no art. 24, XIII, da Lei n.º 8.666/93"

    (fl.1434). (grifei).

    De outro lado, o procedimento excepcional de dispensa da licitação exige cautelas especiais, como bem leciona DIÓGENES GASPARINI, citado no parecer da ilustrada Promotora de Justiça de primeiro grau (fl. 1.408), verbis: "A dispensabilidade da licitação, quando autorizada, só libera a Administração Pública da promoção do procedimento de escolha da melhor proposta. Sendo assim, tudo o mais (verificação da personalidade jurídica, capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade fiscal, empenho prévio, celebração do contrato, publicação) deve ser observado. De nenhum desses cuidados está dispensada a Administração Pública, mas cremos que tal rigor deve ser relevado nos casos de calamidade pública e emergência. Somente será válida a liberação da obrigação de licitar se precedida da competente justificativa. Este é o arrazoado, que, partindo de certas premissas, chega a uma conclusão, no caso, a liberação dessa responsabilidade. Não é uma simples afirmação, do tipo"eu acho"ou"eu entendo"que se trata de caso de dispensabilidade de licitação ou de que a situação se enquadra no inciso tal ou qual do art. 24 da Lei Federal de Licitações e Contratos da Administração Pública." (grifei).

    Nada disso foi feito no presente caso. A justificativa que se fazia necessária, não foi realizada, pelo menos não na forma como deveria, considerando haver referência nos autos de que teria havido uma justificação interna, não divulgada na imprensa, como era exigido, não alcançando a indispensável publicidade que faria com que eventuais interessados em habilitar-se ao certame pudessem dele conhecer. Concluiu com acerto o parecer ministerial ao proclamar que: "a realização do procedimento prévio para a dispensa de licitação é requisito formal indispensável aos contratos entabulados pela Administração nos casos de dispensabilidade e inexigibilidade" (fl. 1.410).

    O demandado no caso, limitou-se formular consulta ao Tribunal de Contas, sem declinar o real objeto da contratação, qual seja, a compra de softwares educacionais e equipamentos e móveis de informática, indagando se o município podia "contratar através de Instituição sem fins lucrativos, empresa ou professores com dispensa ou inexigibilidade de licitação, mercê de sua qualificação técnica, para ministrar cursos de aperfeiçoamento e capacitação de alunos e professores na área educacional no setor de pesquisa e informática?" (fl. 27). Não comprovou em momento algum que se tratava de instituição sem fins lucrativos, muito menos de que o objeto da licitação era unicamente o de ministrar cursos de aperfeiçoamento e capacitação de alunos e professores na área educacional no setor de pesquisas e informática. Sequer a idoneidade da empresa contratada restou comprovada. Ao contrário, demonstraram os Auditores que o ITEAI não tinha registro perante os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, o que é obrigatório, segundo estabelece a Lei 8.958 /94 e a Portaria Ministerial 2.089 /97. Pesquisas realizadas junto a entidades educacionais mostraram que referido instituto não era conhecido, muito menos que aquele software educacional era vendido aos Municípios.

    Além do mais, e conforme bem pontuado pelo Ministério Público (fl.1414), não há notícia nos autos de que tenham sido exigidas certidões negativas fiscais e de ações judiciais da contratada.

    Dessa forma, não restam dúvidas de que, por si só, a dispensa do processo licitatório demonstra infração à lei, mormente, agravado pela omissão de informações acerca do real objeto da contratação na consulta formulada ao Tribunal de Contas, as quais, se reveladas, como visto, não dispensariam o prévio certame

    [1]

    .

    No que se refere a lesividade, cumpre, inicialmente, destacar que esta, conforme nos ensina Hely Lopes Meirelles, "tanto abrange o patrimônio material quanto o moral, o estético, o espiritual, o histórico. Na verdade, tanto é lesiva ao patrimônio público a alienação de um imóvel por preço vil, realizada por favoritismo, quanto a destruição de um recanto ou de objetos sem valor econômico, mas de alto valor histórico, cultural, ecológico ou artístico para a coletividade local. Por igual, tanto lesa o patrimônio público o ato de uma autoridade que abre mão de um privilégio do Estado, ou deixa perecer um direito por incúria administrativa, como o daquela que, sem vantagem para a Administração, contrai empréstimos ilegais e onerosos para a Fazenda Pública

    [2]

    ."

    No caso, houve contratação ilegal, sem anterior processo licitatório, o que já seria suficiente no meu entender para configurar a lesividade, diante do favoritismo escancarado da empresa contratada, sem sequer comprovar a sua regularidade e, ainda, diante da aquisição desnecessária de softwares (destinados ao ensino médio, sem ao menos o município possuir escola de nível médio), conforme destacado no relatório do Tribunal de Contas do Estado (fls.30/32).

    A propósito, a esse respeito, muito bem registrou o juízo a quo na sentença, que aqui reproduzo para evitar tautologia:

    A justificativa apresentada pelo réu Marcos Ronchetti, seja na sua defesa perante o Tribunal de Contas, seja na ocasião do seu depoimento pessoal , dando conta de que esses programas destinados ao ensino médio, e adquiridos junto ao ITEAI, estariam sendo utilizados por professores ou por estudantes da rede pública estadual ou privada, com a devida vênia, não convence.

    A afirmação de que o gasto em educação nunca é demasiado, não pode autorizar que o Município gaste dinheiro público na compra de equipamentos que não são destinados aos estudantes que atende . Seria, certamente, muito razoável, que os gastos decorrentes da compra de softwares destinados a alunos secundaristas fossem utilizados, por exemplo, para a qualificação do atendimento a crianças a pré-escola, cuja competência é do ente municipal.

    A propósito, não vá se dizer que o Município de Canoas tem atendimento eficaz para todas as crianças que ainda não ingressaram no ensino fundamental, de modo que possa gastar seus recursos para realizar investimentos destinados a estudantes que não freqüentam a sua rede de ensino. E, declarar que a compra desses programas, na hipótese em tela, é lesiva ao patrimônio público municipal, de certo, não significa que o Juiz está adentrando na seara do mérito administrativo, próprio da discricionariedade do Administrador Público, dado que é evidente a ausência de eficiência e economicidade nesse ato da Administração Pública .

    (...)

    Por outro lado, a assertiva de que o contrato era de uma prestação de serviços, cumulada com entrega de bens, de forma global, tendo o preço sido fixado por tudo o que foi ofertado pelo ITEAI, como já referido anteriormente,

    não pode servir de manto protetor para a prática de atos ilegais e lesivos ao erário público. A aquisição de um serviço de forma global, não autoriza e nem permite que o gestor público descumpra norma legal e constitucional.

    Desta forma, é de se determinar que todo o valor despendido para a aquisição de softwares destinados para alunos do ensino médio, mesmo que os programas estejam na posse do Município de Canoas e possam estar sendo utilizados, devem ser devolvidos ao erário público

    .

    Igualmente, sobre a aquisição de softwares

    ,

    o relatório preliminar do TCE, apontou que, além da compra indevida de programas destinados ao ensino médio, teriam sido adquiridos CDs com softwares em número superior ao que era necessário para cada escola, onde foram instalados os laboratórios de informática, previstos no contrato firmado com a ré. Nas fls. 30/32, está referido que o Município de Canoas teria tido um gasto, no total, de R$ 526.676,84, além do necessário para equipar os educandários canoenses.

    Imaginar que o ente municipal, só porque o contrato era global, teria que se submeter a receber, em cada um dos ditos laboratórios, todos os 170 títulos ofertados pela ré ITEAI, como já reiterado, fere os princípios norteadores da Administração Pública, sobretudo da eficiência e da economicidade, já que é exigível do gestor público que adquira os produtos estritamente necessários para satisfazer as necessidades da administração.

    Diante disso, também cabe determinar que sejam restituídos ao erário público os valores gastos com a compra dos softwares em número acima do necessário, bem como, os destinados aos alunos de ensino médio.

    (fls.1435/1438).

    No que tange aos valores a serem devolvidos, não há a apontada contradição na sentença. Como visto, restou comprovada a compra indevida de softwares , o que, inclusive, não foi negado pelos apelantes, que tentam justificar o injustificável : compra de softwares ao ensino médio sem ao menos o município possuir escola de nível médio .

    No meu entender, as conclusões trazidas no relatório do Tribunal de Contas são irrefutáveis: "a tipologia das escolas do município contempladas com laboratórios de informática são variadas. Constatam- se 4 (quatro) escolas da pré à 8ª série, 10 (dez) escolas da 1ª a 8ª série, 18 (dezoito) escolas da pré à 4ª série, 8 (oito) escolas da 1ª a 4ª série e uma escola da 1ª à 6ª série (fls.43 a 47). Constatam-se, assim, aquisições que excederam a real necessidade das escolas participantes. Exemplifica-se com a compra de 24.000 licenças (60 títulos x 400 computadores) destinadas ao ensino médio ao custo de R$ 353.040,00 (trezentos e cinqüenta e três mil e quarenta reais) - 24.000 x R$ 14,71

    [3]

    - sem ao menos o município possuir escola de nível médio

    " (fl.30).

    A seguir, e conforme a tabela da fl.31, o mesmo relatório do Tribunal de Contas demonstra o total de softwares comprados em excesso, por escola, e um consequente prejuízo no valor de R$ 526.676,84

    (quinhentos e vinte e seis mil, seiscentos e setenta e seis reais e oitenta e quatro centavos), ocasionado pelas aquisições desnecessárias dos sofwares educacionais. E conclui: "À Administração Pública é vedado pagar mais do que necessário para obter certa utilidade, ela deve primar por desembolsar o mínimo possível, sendo sua atividade administrativa intrinsecamente ligada aos princípios da eficiência e economicidade, contemplados nos caput dos arts. 37 e 70 da Constituição Federal . Face ao exposto, concluí-se que o prejuízo ocasionado com as aquisições desnecessárias dos softwares educacionais é passível de devolução aos cofres municipais na data do seu efetivo pagamento. Observa-se que os pagamentos processaram-se no exercício de 2002" (fl.32).

    Já no que diz respeito às parcelas excedentes pagas para cada produto, o que também não pode ser negado, diante da significativa diferença encontrada pelo Tribunal de Contas, afirmam os auditores a fls. 32 dos autos, em resposta ao quesito 1.1.3: "Na data de 28 de dezembro de 2001, ou seja, mesmo período de efetivação do contrato com o Município de Canoas, a Prefeitura Municipal de Taquara celebrou o contrato nº 237/01 com o ITEAI, prevendo o mesmo objeto de contratação promovida pela prefeitura de Canoas, diferenciando-se apenas na quantidade de equipamentos adquiridos." Comparados os custos dos mesmos produtos, concluíram os auditores que houve uma diferença de R$

    (duzentos e sessenta e dois mil seiscentos e dezoito reais e sessenta e um centavos) cobrado a maior do Município de Canoas em relação aos mesmos produtos vendidos ao Município de Taquara (fl. 40).

    Dessa forma, como bem referiu o Ministério Público em seu parecer:

    Com efeito, nenhum reparo há que se fazer à conclusão dos Auditores referente ao comparativo entre os valores pagos pelo Município de Canoas e o Município de Taquara, apontando diferenças de preços significativas, tendo este pago importância inferior pela aquisição de cada produto

    . Constata-se que, diversamente do que ocorre comumente no mercado em que quem barganha é o comprador que adquire mais produtos, o ente público ora demandado pagou muito mais por cada item.

    (fls. 1422/1423).

    Por fim, também não vejo qualquer contradição na decisão a quo, em razão da opção pela liquidação de parte do dano, pois em nenhum momento afirmou não estar configurado o prejuízo ao erário, conforme se pode ver, verbis : "(...) embora esteja demonstrado que a compra dos equipamentos e programas tenha sido com preço acima do de mercado, mesmo porque, a própria ITEAI os vendeu para outro Município por valor menor que os praticados junto ao Município de Canoas, acolho a manifestação da Promotora de Justiça para determinar que o valor da diferença entre o que foi pago para a aquisição dos equipamentos móveis, bem como, os atinentes ao próprio softwares, sejam apurados em procedimento de liquidação de sentença, mediante a nomeação de arbitrador"

    (fl.1438).

    Todavia, no que consiste a liquidação deste valor, penso não ser possível no caso, porquanto, segundo afirmação do Parquet , acolhido pelo magistrado, poderia conduzir a um valor superior ao que foi pedido na inicial, que é o mesmo apurado pelo Tribunal de Contas, supondo-se ser verdadeira a afirmação do MP no sentido de que seria razoável se deduzir que também em Taquara pudesse haver superfaturamento.

    (grifei).

    Primeiro, porque já existe valor previamente definido e comprovado nos autos e, segundo porque a condenação superior é impossível, tendo em vista não poder ultrapassar ao pedido formulado.

    Dessa forma, reconhecida a lesão aos cofres municipais, demonstrado o valor nos autos, e formulado o pedido certo pelo autor, não pode este ser aumentado como pretende a nobre Promotora e deferiu o magistrado na sentença, pena da haver julgamento além do pedido, o que é vedado. Além disso, para que a liquidação dessa forma fosse possível, haveria necessidade de se comprovar durante a instrução a existência de superfaturamento também no Município de Taquara, o que, apenas restou presumido pela nobre Promotora. A lesão superior ao Município de Canoas, poderá ser buscada na Ação Civil Pública, da qual é o Ministério Público o titular e que se encontra em fase de instrução.

    Por tais razões, no que toca ao valor do dano deve ele ser restringido ao que foi pedido, restando desde logo liquidado.

    Assim, os argumentos ora trazidos pelos apelantes de modo a justificar a total ausência de prejuízo e, conseqüentemente, da obrigação de indenizar os cofres públicos são de todo infundados. Restou comprovado, nos autos, que houve a contratação ilegal de uma empresa , a compra de produtos que não atendiam as reais necessidades educacionais do município e lesão aos cofres públicos, que devem ser, por via de conseqüência, ressarcidos. Ora, se o município não possui escolas de ensino médio, por que adquiriu softwares que não seriam utilizados? Por que não buscou um convenio com o Estado para que fosse permitida a utilização dos laboratórios pelos alunos da rede pública estadual? Por que contratou, em escancarado favorecimento, uma empresa, que ainda por cima não era idônea? E por que omitiu, quando questionado pelo Tribunal de Contas, acerca do real objeto da contratação?

    Conforme ponderado pelo Ministério Público (fl.1422), e no que acompanho integralmente, caso o gestor municipal estivesse, realmente, preocupado tanto com a utilização do material adquirido, quanto com o dinheiro público, o qual foi empenhado em um contrato ilegal vultoso , teria pesquisado no mercado a possibilidade de aquisição de um software destinado tão-somente ao ensino fundamental e nas quantidades, efetivamente, necessárias.

    Resta evidente a existência de lesão ao erário, bem como a responsabilidade dos apelantes pelos prejuízos causados aos cofres municipais - já que comprovado o descaso e a má-utilização da verba pública - os quais agiram, no mínimo, de forma culposa (negligente) no trato da coisa púbica. Ainda, e como sabido, são solidariamente responsáveis pelo ressarcimento todos aqueles que tiverem praticado o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público e os beneficiários diretos do mesmo ato ou do contrato

    [4]

    .

    Dessa forma, não há como afastar a responsabilidade dos apelantes pelos danos causados ao erário municipal - diante do evidente prejuízo ocasionado pelas aquisições desnecessárias - os quais devem ser condenados a devolver aos cofres municipais os valores indevidamente utilizados, como acima determinado e, por via de conseqüência, afasto as alegadas violações aos dispositivos constitucionais e legais mencionados, quais sejam: art. 267 do CPC , art. 71 , VII c/c art. 75 e art. 31 da CR , art. 131 do CPC, art. 93 , IX da CR, art. 37 da CR, art. 24 , XIII e 25 da Lei n.º 8.666 /93, art. 334 do CPC, art. 333 , I do CPC, art. 211 , § 2º da CR, art. 130 do CPC, art. , LV da CR, art. 14 da Lei 4.717 /65, arts. 186 e 187 do CCB, arts. 475 - A e G do CPC e art. 459 , § único do CPC, não se fazendo necessário o seu direto enfrentamento para fins de prequestinamento, porquanto as Súmulas 356 e 282 do STF e 211 de STJ, exigem tão-somente a análise da questão jurídica prévia, não sendo necessária referência expressa à determinada norma legal.

    Por fim, tenho que deve ser mantida a verba honorária, tal como fixada na sentença, já que bem observados os requisitos legais, previsto no art. 20 , § 3º , do CPC , pesadas todas as circunstâncias ali previstas.

    Diante do exposto, rejeito as preliminares e nego provimento às apelações, modificando em parte, de ofício, a sentença no que diz com o valor dos danos.

    Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro (REVISORA)

    - De acordo.

    Dr. Miguel Ângelo da Silva

    - De acordo.

    DES. ARNO WERLANG

    - Presidente - Apelação Cível nº 70019346154, Comarca de Canoas: "REJEITARAM AS PRELIMINARES, NEGARAM PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES e modificaram em parte, de ofício, a sentença. UNÂNIME."

    Julgador de 1º Grau: PAULO CESAR FILIPPON

    [1]

    Conforme relatório do Tribunal de Contas do Estado: "fica evidenciada na consulta a omissão e o desvirtuamento do real objeto da contratação, quais sejam: compra de softwares educacionais no valor de R$ 1.000.000,00, compra de equipamentos e móveis de informática no valor de R$ 700.000,00, montando o total destes itens em R$ 1.700.000,00 (fls.19 e 21)" (fl.28 dos autos).

    [2]

    In: Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública (...), São Paulo: Malheiros, 23ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, 2001, p.121.

    [3]

    R$ 14,71 preço unitário acordado com o Município de Canoas pela compra de software educacional (fl.54).

    [4]

    Art. 1111 da Lei471777 /65: "A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento das perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele (...)".

    EXPEDIENTE

    Texto: João Batista Santafé Aguiar

    Assessora-Coordenadora de Imprensa: Adriana Arend

    imprensa@tj.rs.gov.br

    Publicação em 16/02/2009 20:23Esta notícia foi acessada 6 vezes.

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