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25 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Oitava Câmara Cível

Publicação

Julgamento

Relator

Ricardo Moreira Lins Pastl

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-RS_AC_70073996894_f18e5.doc
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Inteiro Teor

RMLP

Nº 70073996894 (Nº CNJ: XXXXX-47.2017.8.21.7000)

2017/Cível

APELAÇÃO CÍVEL. direito social à moradia. situação de vuLnerabilidade familiar. DISPONIBILIZAÇÃO de moradia PRÓPRIA À FAMÍLIA. CABIMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

1. O direito à moradia está elencado dentre aqueles direitos sociais previstos no art. da Constituição Federal, sendo de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, na forma do art. 23, IX, da CF.

2. No caso, verificada a situação de extrema vulnerabilidade familiar, do que o Município de Santo Ângelo tem conhecimento desde o ano de 2013, sem adotar qualquer providência, cabível a imposição de fornecimento de moradia, sendo a manutenção da sentença medida que se impõe.

APELAÇÃO DESPROVIDA.

Apelação Cível

Oitava Câmara Cível

Nº 70073996894 (Nº CNJ: XXXXX-47.2017.8.21.7000)

Comarca de Santo Ângelo

M.S.A.

..

APELANTE

M.P.

..

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação, nos termos dos votos a seguir transcritos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rui Portanova (Presidente) e Des. Ivan Leomar Bruxel.

Porto Alegre, 09 de novembro de 2017.

DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (RELATOR)

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE SANTO ÂNGELO, inconformado com a sentença que, nos autos da ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, em favor de Gustavo de O. C., Cristian M. da S., Edivan M. da S., Edson D. M. da S. e Alecsandro M. da S., julgou procedente o pedido, condenando o ente municipal a disponibilizar moradia própria e digna à família das crianças, confirmando a antecipação de tutela.

Sustenta que a promoção de programas habitacionais é de competência comum do Estado como um todo, de acordo com o art. 23, IX, da CF, não podendo apenas o Município ser responsabilizado por tal obrigação constitucional.

Refere que deve ser respeitado o orçamento municipal, bem como as condições necessárias ao atendimento e acompanhamento das crianças, adolescentes e familiares, o que não ocorre uma vez que não há disponibilização de projeto habitacional para pessoas de baixa renda por parte do governo federal.

Aduz que devem ser observados os critérios, as diretrizes e os procedimentos para concessão de aluguel social e outras providências, previstos na Lei nº 4.032 de 2016. Discorre acerca dos princípios da legalidade orçamentária e da reserva do possível, com o que requer o provimento do recurso (fls. 182/189).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 191/203), os autos foram remetidos a esta Corte, opinando a Procuradoria de Justiça pelo desprovimento do recurso (fls. 206/214).

Ao receber primeiramente o feito, o Des. Rui Portanova, em substituição, declinou monocraticamente da competência (fls. 215/217). Remetidos os autos para a 22ª Câmara Cível, o Des. Miguel Ângelo da Silva suscitou dúvida de competência (fls. 220/223), que foi acolhida pelo ilustre 1º Vice-Presidente deste TJRS (fls. 225/228), retornando-me, então, para julgamento (fl. 228, verso).

Registro que foi observado o disposto no artigo 931 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (RELATOR)

Eminentes colegas, a apelação é própria, tempestiva (interposta dentro do prazo legal, fls. 180, verso, e 182) e dispensada de preparo (art. 1.007, § 1º, do CPC).

No caso, o Ministério Público ajuizou a presente ação civil pública em favor dos menores Gustavo, Cristian, Edivan, Edson e Alecsandro, sustentando que as crianças se encontram em grave situação de risco, em virtude da precariedade habitacional da família, postulando, em face disso, que o Município de Santo Ângelo disponibilizasse moradia digna aos protegidos (fls. 2/11), o que foi concedido em antecipação de tutela (fl. 120), confirmada na sentença (fls. 178/180), decisão agora aqui questionada.

Como é consabido, o direito à moradia está elencado dentre aqueles direitos sociais previstos no art. da Constituição Federal, sendo de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, na forma do art. 23, inciso IX, da CF.

Nesse sentido, compete ao ente municipal instituir política de assistência social à moradia, nos termos do art. 15, I, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/01 , incluindo-se, neste conceito a disponibilização de moradia própria e digna à família.

Assim sendo, e verificada a situação de extrema vulnerabilidade familiar, da qual possui o Município de Santo Ângelo cabal conhecimento desde o ano de 2013 (fls. 23/24), deixando de adotar qualquer providência para solucioná-la, entendo que está correta a decisão no sentido de obrigar o ente municipal a disponibilizar moradia digna às crianças e a sua família.

O arcabouço probatório coligido aos autos deixa evidente a situação de extrema vulnerabilidade habitacional vivenciada pela família dos menores, a qual restou detalhadamente analisada pelo juízo singular, razão pela qual peço vênia para transcrever, como razões de decidir, a sentença de fls. 178/180:

“A prova documental acostada é consistente para afirmar que a questão habitacional desde há muito tempo vem sendo motivo de vulneração de direitos das crianças e adolescentes deste grupo familiar, sendo inúmeras as tentativas de solução na via administrativa, sem que o Poder Público, enfrentasse incisivamente a questão, ensejando o ajuizamento da ação, que já vem de dezembro de 2015, sendo deferida a antecipação de tutela, o que também não modificou a situação fática dos protegidos.

Fácil constatar que já no ano de 2013, ou seja, há quatro anos atrás a situação já era conhecida deste juízo, tanto que no processo nº 029/5.13.0000427-6 restou determinado à Secretaria da Habitação uma vistoria no local e a projeção de eventuais melhorias (fls. 23 e 24).

No documento das folhas 26 e 28, está cristalino que o próprio Município, através da Secretaria de Assistência Social, Trabalho e Cidadania, já havia constatado as condições precárias da moradia primitiva, sugerindo uma ação da Secretaria da Habitação para sanar as deficiências, o que nunca foi feito.

A própria Secretaria de Habitação reconheceu, através de seu Secretaria na época, 05/02/2014, “a necessidade de melhorias habitacionais”, (fl. 29), o que até agora não restou suprido.

Seguiram-se várias justificativas do órgão público, o que se perpetua até hoje, sempre sob o argumento da falta de materiais, ou condições, sem que o problema tenha sido resolvido, aliás, o que também vem ocorrendo após o ajuizamento do processo.

Acabou que a família mudou a residência para um novo local, invadindo uma área do Município, o que fez juntamente com várias outras famílias, edificando imóvel, sob os olhos complacentes do Poder Público, que da mesma forma que o anterior, também apresenta uma série de precariedades.

A situação está materializada no documento das folhas 79 e 80, elaborado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, dando conta da edificação de nova moradia em área invadida, não menos precária que a moradia anterior, bastando observar o relato da assistente social que elaborou o documento:

Mencionou que resolveu sair da moradia em que estava, devido a mesma estar sem condições para habitar. A mesma encontra-se hoje em uma moradia de uma peça, junto a área de invasão, já mencionada. É construída em material de madeira e também em estado precário. Neste local existe apenas uma latrina, para as necessidades fisiológicas. Referente a questão da energia elétrica e água potável, utilizam-se deste benefícios, através de vizinhos.

O Conselho Tutelar informou em 14/08/2015 que a família estaria ainda em precárias condições, sendo que estariam tomando banho com apenas uma mangueira, sem chuveiro, bem como possuíam pouquíssimas peças de roupa, o que estaria colocando em risco a saúde das crianças.

A situação precária da moradia pode claramente ser percebida no levantamento fotográfico das fls. 102/113, o que foi chancelado pela assistente social judiciária no laudo pericial das folhas 117 e 118:

Devido a perda de sua moradia, que está condenada pela Defesa Civil, a família encontra-se em precária situação habitacional. Sem recursos próprios para a construção de novo lar, necessita de apoio do Poder Público para este fim. (…) Sugere-se que a família em tela seja incluída em programa habitacional do município, ainda que tenha que ser beneficiada temporariamente com aluguel social, para a garantia de seu direito à moradia digna, enquanto aguarda o benefício da cada própria.

No laudo pericial advindo do Engenheiro Civil nomeado (fls. 150/158) foi reafirmada a precariedade da moradia, bem como sugerido a necessidade de nova edificação para que o grupo familiar possa residir em segurança.

Em verdade a situação poderia se resolver momentaneamente contratando o Município aluguel social em favor do grupo familiar. Obviamente que o aluguel social é um paliativo, cumprindo ao poder público resolver a questão de uma forma definitiva, o que só será possível com a contemplação da família com um imóvel próprio, constando dos autos perícia realizada e não impugnada, dando conta dos valores necessários para uma nova moradia.

Defendendo a possibilidade da adoção de medidas efetivas à proteção integral, com vistas à garantia do mínimo existencial, refere Eurico Bitencourt Neto:

Na ausência completa de aparatos institucionalizados que satisfaçam o direito a prestações – o que, reconheça-se, é hipótese raríssima, em vista do caráter essencial das prestações –, caberia até mesmo a determinação para que se fizesse uso de serviços privados, às expensas do Estado, que deve utilizar, de forma mais adequada possível e atendendo ao grau de urgência de cada caso, os meios formais de que dispõe para a alocação de recursos públicos e a contratação de particulares.

Quanto as restrições à intervenção judicial, especificamente no que diz respeito à reserva do possível, oportuno referir o posicionamento externado pelo Supremo Tribunal Federal, no pronunciamento monocrático da lavra do Ministro Celso de Mello, na ADPF nº 45, citado por Paulo Gilberto Cogo Leivas:

Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da “reserva do possível”. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do “mínimo existencial” viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (Direitos Constitucionais de segunda geração).

O atendimento ao conjunto das necessidades básicas da pessoa, utilizando do termo aqui preconizado, a garantia ao mínimo existencial, implica efetividade dos próprios direitos fundamentais que reclamam uma prestação material mínima para uma vida digna. Partindo desta afirmação, tem-se que o direito ao mínimo existencial garante eficácia aos direitos fundamentais, que dependam da alocação de um mínimo necessário, a exemplo do que ocorre com o direito à saúde, direito à moradia e à assistência social.

A vida com dignidade esta na essência do Estado Democrático de Direito, alçada a princípio fundamental da República, constituindo um núcleo intangível da personalidade da pessoa, conceituada por Judith Martins-Costa, como um, “valor fonte que anima e justifica a própria existência de um ordenamento jurídico”, exigindo para sua eficácia plena, um mínimo existencial, que de resto também é reclamado por outros direitos fundamentais, o que assegura e da consistência jurídica à proteção às pessoas em situação de vulnerabilidade.

Além disso necessário sempre lembrar que em se tratando de crianças e adolescentes gozam de uma proteção integral, que abrange o direito à dignidade, o que fica alijado quando não se tem sequer um teto adequado para se abrigar.”

Dessa forma, comprovado que os menores se encontram em situação de vulnerabilidade habitacional (laudos sociais e periciais e imagens de fls. 19/22, 26/29, 32, 35/36, 40/41, 78/80, 89/95, 100/113, 117/118, 128, 151/156), a manutenção da sentença é a medida que se impõe.

ANTE O EXPOSTO, nego provimento à apelação.

Des. Rui Portanova (PRESIDENTE) - De acordo com o (a) Relator (a).

Des. Ivan Leomar Bruxel - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº 70073996894, Comarca de Santo Ângelo: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Julgador (a) de 1º Grau: LUIS CARLOS ROSA

� Art. 15. Compete aos Municípios:

I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos benefícios eventuais de que trata o art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Municipais de Assistência Social; � HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12435.htm" \l "art1" �(Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)� (...)

Art. 22. Entendem-se por benefícios eventuais as provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública. � HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12435.htm" \l "art1" �(Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)�

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rs/521130396/inteiro-teor-521130406