11 de Agosto de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
Informado o agir administrativo pelo princípio da legalidade – art. 37, CF/88 – não se concebe possa ser o Município condenado a emitir habite-se quanto a construção confessadamente irregular, ausente alguma justificativa que autorize sua relativização, notadamente quando não se está diante de ação demolitória proposta pelo Poder Público.
Apelação Cível | Vigésima Primeira Câmara Cível |
Nº 70044230779 | Horizontina |
ERCI NYLAND STEIN | APELANTE |
MUNICÍPIO DE HORIZONTINA | APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Francisco José Moesch e Des. Genaro José Baroni Borges .
Porto Alegre, 24 de agosto de 2011.
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA,
Presidente e Relator.
RELATÓRIO
Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa (PRESIDENTE E RELATOR) – erci nyland stein apela da sentença que julgou improcedente o pedido formulado na ação declaratória cumulada com pedido condenatório de obrigação de fazer proposta contra o MUNICÍPIO DE HORIZONTINA .
Nas razões recursais, aduz que ajuizou a demanda em tela visando a concessão de habite-se referente à ampliação de imóvel de sua propriedade. Menciona que a obra foi concluída em 1994 e desde então vem buscando a sua regularização. Invoca o art. 24 da Lei Municipal nº 487/74, anotando que o imóvel está habitado há mais de 15 anos, daí argumentar que a expedição do habite-se consiste em mera formalidade.
Acentua não dispor de recursos para proceder as reformas estruturais necessárias à concessão do habite-se . Refere que a prova oral corrobora suas assertivas, ausente insurgência de seus vizinhos. Assinala inexistir prejuízo à municipalidade, alegando a prevalência do interesse social, sendo insuficiente a mera desconformidade com legislação urbanística para ensejar a demolição do imóvel. Alude não ter havido a correta valoração da prova e postula o provimento do recurso.
Em contrarrazões, o apelado discorre sobre a finalidade e natureza jurídica do habite-se , destacando que sua razão de ser é a de verificar se a obra cumpre os requisitos da legislação local e está em conformidade com a política urbana, sendo irrelevante para tanto a averiguação quanto a possíveis prejuízos advindos à coletividade. Ressalta a vinculação do ato administrativo à lei, apontando para impossibilidade de concessão do habite-se , em face da inadequação da obra ao projeto previamente elaborado. No mais, lembra que a ilegalidade não se consolida no tempo e propugna pela confirmação da sentença.
A Dr.ª Procuradora de Justiça opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTOS
Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa (PRESIDENTE E RELATOR) – A pretensão recursal não prospera.
Desde logo registro não se aplicar à hipótese dos autos jurisprudência formada em torno de pleitos demolitórios, em que essencialmente resguardou-se direito à habitação, assim como casos em que se considerou direito ao exercício do trabalho, bens constitucionalmente assegurados (artigos 6º e 170, CF/88).
Em suma, pretende a apelante ver fornecido habite-se quanto a construção irregular (na descrição da apelante: “a construção, embora fora dos padrões...” , fl. 118), o que implica buscar em juízo autorização à ilegalidade, em desafeição ao que está em o art. 37, CF/88.
Inexiste alguma razão específica a justificar abandono ao princípio da legalidade, observado pela Administração Municipal.
No mais, permito-me adotar como razões decisórias a argumentação constante do parecer da Dr.ª MAGALI FERREIRA MANNHART, in litteris :
“Frise-se, inicialmente, que a parte apelante pretende obter, em Juízo, declaração de “habite-se” referente à ampliação residencial de alvenaria, essa, efetivada sobre terreno urbano de sua propriedade, situado no Município de Horizontina, a qual ocorreu no ano de 1994, medindo 168m2.
Por outras palavras, pretende que o Poder Judiciário, em decisão, sobreponha-se à decisão administrativa que, ao que tudo indica, mostra-se legal.
Assim, não há de se acolhido seu apelo, devendo ser mantida a decisão de Primeiro Grau, ora recorrida.
Vejamos.
Grife-se que, embora a recorrente refira que a função do “habite-se” seja a de declarar se o imóvel mostra-se habitável ou não, a razão de ser de tal ato administrativo é bem mais ampla.
A propósito, como bem coloca o Município de Horizontina em contrarrazões, fl. 126, o “habite-se” é uma certidão emitida pela administração municipal, atestando que o imóvel mostra-se legalmente construído. Ou melhor, declara que o imóvel observou todos os requisitos legais para ser habitado, encontrando-se de acordo com o projeto arquitetônico previamente aprovado e dentro das regras de zoneamento urbano.
Nesse sentido, no mais, o art. 24 da Lei Municipal n. 487, de 23/05/1974, reproduzido em texto de lei de fl. 65:
Após a conclusão da obra, deverá ser solicitado o respectivo “Habite-se” que será fornecido pelo órgão competente da Prefeitura, após vistoria, desde que a construção tenha obedecido o projeto aprovado e ofereça condições de ser habitada, estando funcionando as instalações hidro-sanitárias-elétricas.
No caso, segundo se verifica de fl. 30, a Assessoria de Engenharia do Município de Horizontina entendeu por indeferir, em mais de uma oportunidade, o “habite-se” da ampliação do imóvel acima descrito.
Fundamenta o indeferimento do pedido, após vistoria no local, nas seguintes irregularidades:
A edificação não foi construída nos termos do projeto aprovado, não respeitando a distância mínima da divisa lateral exigida por lei em terrenos de esquina com testadas de 15,00 metros, que é de no mínimo 2,00 metros na lateral, e de no mínimo 4,00 metros frontal, conforme Lei Municipal nº 485, de 23/05/74, Art. 14, § 2.
A área de construção constatada em “loco”, é maior do que a metragem que consta no projeto aprovado.
Existem abertura (janela) a menos de 1,50 metros da divisa, cujo projeto foi aprovado com parede cega e no alinhamento da divisa, conforme Art. 70 da Lei Municipal nº 487 de 23/05/74.
Portanto, pelo que se depreende dos autos, principalmente do documento acima, a construção não obedeceu o projeto aprovado pela Secretaria Municipal de Obras e nem a legislação municipal.
E, assim, o “habite-se”, por ser ato vinculado, foi adequadamente não concedido (e nem deve sê-lo nesse momento). Logo, não há de se perquirir sobre prejuízos aos vizinhos ou mesmo à coletividade, isso porque o desrespeito lei, em si, faz supor tal prejuízo.
No que tange à alegação da apelante de que o imóvel já se encontra habitado há mais de 15 (quinze) anos, não existindo, assim, razão para se negar o “habite-se”, tem-se que a ilegalidade não se consolida no tempo. Grife-se que tal leitura deriva, do ponto de vista hermenêutico, da Súmula n. 473 do STF.
O Município de Horizontina, no mais, agiu pautado pelo princípio da legalidade.
Diante do quadro delineado, o Poder Judiciário, limitado à verificação da legalidade e da constitucionalidade da decisão, pelo principio da inafastabilidade, conforme a lição de Juarez Freitas 1 , há de manter o indeferimento do “habite-se”, como ocorreu no caso.
Nesse sentido, também, a lição de Hely Lopes Meirelles 2 :
Todo ato administrativo, de qualquer autoridade ou Poder, para ser legitimo e operante, há que ser praticado em conformidade com a norma legal pertinente (principio da legalidade), com a moral da instituição (princípio da moralidade), com a destinação pública própria (principio da finalidade) e com a divulgação oficial necessária (principio da publicidade). Faltando, contrariando, ou desviando-se destes princípios básicos, a Administração Pública vicia o ato, expondo-o a anulação por ela mesma ou pelo Poder Judiciário, se requerido pelo interessado.
E a jurisprudência do TJRS :
DIREITO ADMINISTRATIVO MUNICIPAL. RAMPA IRREGULARMENTE CONSTRUÍDA SOBRE LEITO DA VIA PÚBLICA DURANTE A CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE HABITE-SE, ENQUANTO NÃO REGULARIZADA A OBRA. Nos termos do que prevê o art. 25, I, da Lei Municipal n.º 421/80, é proibida a construção de rampas para acesso de veículos sem licença da municipalidade, no caso, não deferida. Estando a obra irregular, não pode a Municipalidade fornecer o respectivo habite-se. Aplicação dos arts. 91 e 92 da Lei Municipal n.º 418/80 Código de Obras do Município. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70004714788, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 20/11/2002) – grifado ”
Por tais fundamentos, nego provimento à apelação.
Des. Francisco José Moesch (REVISOR) – De acordo com o Relator.
Des. Genaro José Baroni Borges – De acordo com o Relator.
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA – Presidente – Apelação Cível nº 70044230779, Comarca de Horizontina: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador de 1º Grau: DANILO JOSÉ SCHNEIDER JÚNIOR
1 In : O controle dos atos administrativos e os Princípios Fundamentais, 2. Ed., p. 95.