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Inteiro Teor
APELAÃÃO. AÃÃO PAULIANA. FRAUDE PREORDENADA PARA ATINGIR CREDOR FUTURO. INEFICÃCIA DO NEGÃCIO JURÃDICO POSSIBILIDADE. EXEGESE DO ART. 185 DO CÃDIGO CIVIL.
Preliminar rejeitada. Apelo desprovido. Unânime.
Apelação CÃvel | Vigésima Primeira Câmara CÃvel |
Nº 70036795342 | Comarca de Carazinho |
DAGOBERTO JOSE SILVEIRA E OUTROS | APELANTE |
MINISTÉRIO PÚBLICO | APELADO |
ACÃRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira Câmara CÃvel do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso, nos termos dos votos a seguir transcritos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Francisco José Moesch (Presidente e Revisor) e Des. Março Aurélio Heinz .
Porto Alegre, 16 de março de 2011.
DES. GENARO JOSÃ BARONI BORGES,
Relator.
RELATÃRIO
Des. Genaro José Baroni Borges (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por DAGOBERTO JOSà SILVEIRA E OUTROS contra sentença proferida na ação pauliana proposta pelo MINISTÃRIO PÃBLICO.
A d. sentença julgou procedente o pedido para declarar a nulidade da doação do imóvel matriculado sob o n.º 63.253, efetuada por Dagoberto e Eda Júlia. Condenou os réus ao pagamento das custas. Deixou de condená-los ao pagamento de honorários advocatÃcios, pois tal verba não é devida ao Ministério Público.
Em suas razões, os apelantes suscitam preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público. No mérito, afirmam que a doação foi realizada quase um ano antes de ser ajuizada a ação civil pública, bem como a o Inquérito Civil n.º 23/05 foi aberto mais de um mês após a doação. Sustentam que a doação do imóvel em nada tem a ver com as supostas denúncias de irregularidades cometidas pelo requerido Dagoberto enquanto trabalhava na Câmara de Vereadores de MunicÃpio. Afirmam que não restou comprovada a intenção de fraude a credores. Aduzem que existiam outros bens em nome do requerido Dagoberto, o que não configura a insolvência do demandado. Colacionam julgados. Postulam o provimento do recurso.
Foram apresentadas contrarrazões.
Neste grau de jurisdição, o Ministério Público manifesta-se pelo desprovimento do recurso.
à o relatório.
VOTOS
Des. Genaro José Baroni Borges (RELATOR)
Em 06 de junho de 2006 o Ministério Público propôs AÃÃO PAULIANA com vistas a anular doação graciosa de imóvel feita aos Apelantes por seus pais DAGOBERTO JOSà SILVEIRA e sua mulher EDA JÃLIA ADDIEGO SILVEIRA.
Para o Autor, DAGOBERTO JOSà SILVEIRA teria procedido fraudulentamente, alienando gratuitamente bens que o reduziu à insolvência, com o propósito deliberado de frustrar o pagamento de crédito futuro a ser apurado em AÃÃO DE IMPROBIDADE em curso.
O Código Civil disciplinou o instituto da fraude contra credores:
âArt. 158- Os negócios jurÃdicos de transmissão gratuita de bens ou remissão de dÃvida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
Parágrafo 1º - Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
Parágrafo 2º - Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação delesâ.
A sanção à fraude contra credores tem fundamento âna ilicitude absoluta âlatu sensuâ, entendendo-se que violou dever jurÃdico - o dever de não dispor do patrimônio a ponto de prejudicar os credores já existentes, que contam com a estabilidade patrimonial.â (Pontes de Miranda â Tratado de Direito Privado â pag. 416 â tomo IV- Borsoi â terceira edição).
Supõe, pressupostos necessários, (a) a prática de ato que reduza o patrimônio do devedor ou o torne insolvente, (b) o prejuÃzo que o ato considerado fraudulento tenha causado ao credor - â eventus damniâ- e (c) o âconsilium fraudisâ, ou seja o concerto entre os que participaram do ato (âparticeps fraudisâ), cientes do estado de insolvência, com o propósito de fraudar , âcircunstância ... dispensada se o ato fraudulento é gratuito, porque então traz em si a presunção de má-fé.â (Caio Mário- Instituições de Direito Civil â vol. I - pag. 345 â Forense- décima oitava edição).
Dúvida não há tenha a doação do imóvel constante do Registro nº R-15/63253 do OfÃcio de Registro de Imóveis de Tramandaà (fl. 39 v), reduzido DAGOBERTO JOSà SILVEIRA à insolvência, basta ver o que lhe tocou na Separação Judicial Consensual (fl. 475), tendo em conta o valor do alcance aos cofres públicos â R$476.079,82 â confessado e comprovado. (Sentença Criminal no processo 009/2.06.0000798-9, Comarca de Carazinho (fls. 259/306) e Apelação-Crime nº 70018956466 â Quarta Câmara Criminal - (fls. 307/318).
Como gratuito e aos filhos, de presumir tivessem estes ciência do estado de insolvência, como também presumida a má-fé.
Resta saber da anterioridade do crédito, que enseja a preliminar de ilegitimidade suscitada.
O art. 158, parágrafo 2º, explicita que âsó os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação delesâ. O Código Civil Revogado, com melhor redação, também assim dispunha no art. 106, parágrafo único.
à o âprincÃpio da legitimação por anterioridadeâ a que se refere Pontes de Miranda, para quem âo crédito â não a pretensão, ou a ação â precisa ter nascido antes do ato de disposição.
(..............)
O crédito há de já existir quando ocorre o ato de disposição. Pode ser ilÃquido; pode depender de liquidação judicial. Se o termo inicial é somente para a eficácia pretensional, ou acional, ou de exceção, já existindo crédito, não há dúvida quanto a estar satisfeito o pressuposto da anterioridade do créditoâ. (ob. e vol. citados - pag. 436).
Também assim a lição de Caio Mário: a ação pauliana âa) deve ser proposta pelo credor prejudicado, que já o fosse contemporaneamente ao ato incriminado, pois o posterior não tem de que se queixar, por encontrar desfalcado o patrimônio ao assumir a qualidade creditóriaâ. (Ob. e vol. citados â pag. 345).
Orlando Gomes, todavia, já punha em xeque o dogma da anterioridade afirmando: âde regra, só é anulável a transmissão feita depois de ter sido contraÃda a dÃvida, mas não há razão para essa limitação porque o ato de alienação praticado anteriormente pode ser dolosamente preordenado para o fim de prejudicar a satisfação do futuro credorâ. (Obrigações â Forense - Quarta edição â pag. 283).
No mesmo sentido a lição de Yussef Said Cahali, que lembra:
âa jurisprudência mais atualizada, contudo, em antecipação meritória, vem reconhecendo que, embora a anterioridade do crédito, relativamente ao ato impugnado como fraudulento, seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, esse pressuposto é afastável quando ocorre a fraude predeterminada para atingir credores futuros.â (Fraudes contra Credores â RT- 1989 â pag. 123).
Adiante, salienta o mesmo autor:
âDe resto, a jurisprudência de nossos tribunais é tranqüila na esteira de tal entendimento, com a afirmação iterativa no sentido de que a anterioridade do crédito se determina pela causa que dá origem ao referido crédito, causa da qual surge a sua vida jurÃdica; para que um crédito seja considerado anterior ao ato fraudulento, basta que seu princÃpio exista antes da conclusão deste ato, não devendo confundir-se o crédito em si com o documento ou a sentença que apenas o reconhece e o declaraâ. (pag. 127).
Nessa linha seguiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no RESP 1092134, relatora a Em. Min. Nancy Andrighi:
2. Contudo, a interpretação literal do referido dispositivo de lei não se mostra suficiente à frustração da fraude à execução. Não há como negar que a dinâmica da sociedade hodierna, em constante transformação, repercute diretamente no Direito e, por consequência, na vida de todos nós. O intelecto ardiloso, buscando adequar-se a uma sociedade em ebulição, também intenta - criativo como é â inovar nas práticas ilegais e manobras utilizados com o intuito de escusar-se do pagamento ao credor. Um desses expedientes é o desfazimento antecipado de bens, já antevendo, num futuro próximo, o surgimento de dÃvidas, com vistas a afastar o requisito da anterioridade do crédito, como condição da ação pauliana.
3. Nesse contexto, deve-se aplicar com temperamento a regra do art. 106, parágrafo único, do CC/16. Embora a anterioridade do crédito seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, ela pode ser excepcionada quando for verificada a fraude predeterminada em detrimento de credores futuros.
4. Dessa forma, tendo restado caracterizado nas instâncias ordinárias o conluio fraudatório e o prejuÃzo com a prática do ato â ao contrário do que querem fazer crer os recorrentes â e mais, tendo sido comprovado que os atos fraudulentos foram predeterminados para lesarem futuros credores, tenho que se deve reconhecer a fraude contra credores e declarar a ineficácia dos negócios jurÃdicos (transferências de bens imóveis para as empresas Vespa e Avejota).
5. Recurso especial não provido.â
Do corpo do v. acórdão colho a passagem seguinte:
âA ordem jurÃdica, como fenômeno cultural, deve sofrer constantemente uma releitura, na busca pela eficácia social do Direito positivado. Assim, aplicando-se com temperamento a regra contida no referido preceito legal, entendo que, embora a anterioridade do crédito- relativamente ao ato impugnado- seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, ela pode ser relativizada quando for verificada a fraude predeterminada para atingir credores futuros, ou seja, o comportamento malicioso dos recorrentes, no sentido de dilapidarem o seu patrimônio na iminência de contraÃrem débito frente à requeridaâ.
No mesmo sentido e bem antes já decidira aquela Corte, no julgamento do RESP 10.096/RJ:
âRECURSO ESPECIAL. AÃÃO PAULIANA. CREDITO. ANTERIORIDADE. NÃO PROVIMENTO. O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 106 DO CÓDIGO CIVIL, EM INTERPRETAÃÃO ATUALIZADA DO VELHO ESTATUTO, NÃO REQUER O CREDITO LIQUIDO E DOCUMENTADO, SENDO BASTANTE A CAUSA GERADORA DO DIREITO.â (Rel. Min. Cláudio Santos).
Alinho-me a esse entendimento.
à que as circunstâncias, no caso, revelam fraude preordenada, predeterminada, para atingir credor futuro â o erário público. São elas: a) doação feita aos filhos; (b) notÃcia dos atos de improbidade cometidos por Dagoberto José Silveira veiculada pela imprensa local (fl. 22); c) instauração de Comissão de Sindicância para apurar os atos ilÃcitos cometidos por Dagoberto na área contábil e financeira da Câmara Municipal de Carazinho (fl. 23); d) ciência de seu afastamento do quadro de funcionários da Câmara (fl. 26) â tudo a ocorrer antes da liberalidade; depois, (aa) condenação criminal de Dagoberto José Silveira por peculato, oportunidade em que apurado o valor do alcance (fls. 176/284); (ab) ajuizamento da ação de improbidade.
Afinal, não pode o Poder Judiciário ressalvar condutas que, prenhes de má-fé, tentem âburlar o sistema legal vigenteâ, como assentou a Min. Nancy Andrighi.
Por todo o exposto, rejeito a preliminar e nego provimento à apelação.
à o voto.
Des. Francisco José Moesch (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o (a) Relator (a).
Des. Março Aurélio Heinz - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. FRANCISCO JOSà MOESCH - Presidente - Apelação CÃvel nº 70036795342, Comarca de Carazinho: "REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, UNÃNIME."
Julgador (a) de 1º Grau: TAIS CULAU DE BARROS