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18 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Oitava Câmara Cível

Publicação

Julgamento

Relator

Alzir Felippe Schmitz

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-RS_AC_70057764524_5c880.doc
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Inteiro Teor

AFS

Nº 70057764524 (Nº CNJ: XXXXX-93.2013.8.21.7000)

2013/Cível

apelação cível. ação de petição de herança cumulada com declaração de nulidade de partilhas.

agravo retido. PROVA. pretensão de investigação acerca da validade do registro de nascimento da autora.

se já houve agravo de instrumento sem êxito, pretendendo a dilação probatória acerca da validade do registro de nascimento da autora, e os envolvidos sempre se portaram aceitando a requerente como filha do inventariado, sem propor a demanda adequada, não há mais falar em reabertura da fase instrutória com o objetivo de dirimir dúvidas quanto ao registro de nascimento.

MÉRITO. NULIDADE DE PARTILHAS. INVENTÁRIO DO PAI. SAISINE.

Não há como declarar a nulidade de partilha realizada quando sequer havia o registro de nascimento da autora, em observância ao Princípio da Saisine. Via de consequência, também não há falar em indenização pela privação da autora quanto à exploração do patrimônio do pai.

INVENTÁRIO DO AVÔ.

Considerando que a procuração outorgada ao advogado que representou a autora não continha poderes especiais para transigir, é nula a partilha ultimada que refletiu ajustes, pagamentos e reposições financeiras e de imóveis.

NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS.

Apelação Cível

Oitava Câmara Cível

Nº 70057764524 (Nº CNJ: XXXXX-93.2013.8.21.7000)

Comarca de Uruguaiana

NILDA MAIA COMIS

APELANTE

MARA REGINA COMIS

APELANTE

VERYDIANA PERUZI COMIS

APELADO

SILVANIA MARIA PERUZZI COMIS

INTERESSADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo retido e dar parcial provimento a ambos os apelos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rui Portanova (Presidente) e Des. Ricardo Moreira Lins Pastl.

Porto Alegre, 16 de outubro de 2014.

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Alzir Felippe Schmitz (RELATOR)

Demanda. Trata-se de ação de petição de herança cumulada com anulação de partilha e indenização proposta por V.P.C. contra N.M.C., M.R.C. e S.M.P.C.

Sentença. Julgou a ação procedente, decretando a nulidade dos processos de inventário dos espólios de L.A.M.C. e de O.C., para que sejam reiniciados novos procedimentos. Ainda, condenou a requerida N.M.C. ao pagamento de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) relativos aos danos materiais e lucros cessantes devidos à autora pelo uso exclusivo dos bens do espólio de L.A.M.C., incluindo juros e correção monetária.

Por fim, declarou a nulidade dos usufrutos constituídos sobre os imóveis matriculados sob os números 1382 e 31556 do CRI de Uruguaiana. Dada a sucumbência, condenou os demandados ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos procuradores da parte autora, os quais fixou em 10% (dez por cento) sobre o valor da indenização – fls. 448/452.

Apelação de NMC. Irresignada, a recorrente apelou, argumentando que a autora não detinha as condições de ser herdeira de L.A.M.C. porque não era sua filha biológica nem havia sido adotada no momento do óbito. Referiu que, embora a certidão de nascimento seja datada de 01/02/1988, S.M.P.C. efetuou o registro tão-somente em 04/07/1990, sendo que L.A.M.C. faleceu em 04/04/1988. Diante de tal contexto, o inventário jamais poderia ter sido conduzido como se a apelada fosse filha do de cujus. Por outro lado, impugnou o arbitramento dos frutos. Nesse sentido, destacou que as terras em voga se localizam às margens do Rio Uruguai e, portanto, são regularmente inundadas. Daí porque nelas apenas desenvolveu atividade pastoril. Ainda, afirmou injusta a sua condenação exclusiva porque a S.M.P.C. era a inventariante e participou diretamente do processo que teria dado ensejo à indenização. Ressaltou que a inventariante efetuou a venda direta dos seus direitos hereditários e obteve grande vantagem econômica. Alegou que o apartamento descrito na matrícula 31.556 foi adquirido vinte anos depois do falecimento de L.A.M.C. Via de consequência, não pode ser objeto de anulação o usufruto sobre ele constituído. Assim sendo, requereu a reforma integral da sentença – fls. 465/476.

Apelação de M.R.C.G. Irresignada, M.R.C.G. apelou, requerendo, em preliminar, o conhecimento do agravo retido de fls. 309/311, no qual sustentou o cerceamento de defesa porque indeferidos os pedidos de expedição de Ofício à Santa Casa de Caridade e, subsidiariamente, teste de DNA, pois a paternidade da autora é nebulosa. Também pugnou pela oitiva da autora, o que igualmente foi indeferido. Portanto, requereu o provimento do agravo interno para desconstituir a sentença. No mérito, afirmou a nulidade absoluta do registro de nascimento de fl. 50 e, por conseguinte, a ilegitimidade da parte autora. Referiu que o de cujus não autorizou nem providenciou a adoção da demandante, o que sequer poderia, porque nem mesmo contava com 30 (trinta) anos de idade, requisito legal do artigo 368 do CCB/1916. Mencionou que o de cujus faleceu porque acometido de alcoolismo crônico, dois meses depois do nascimento da apelada. Logo, sequer há falar em socioafetividade porque pouco conviveram. Ainda, impugnou o pleito indenizatório, reiterando a prescrição e afirmando que os critérios utilizados para a quantificação do dano foram descabidos. Por fim, além da improcedência da ação, requereu, subsidiariamente, a redução da verba honorária – fls. 477/495.

Contrarrazões. Requereu o desprovimento de ambos os recursos – fls. 499/516.

Ministério Público. Opinou pelo desprovimento do agravo retido e parcial provimento de ambos os apelos para manter válido o usufruto instituído sobre o imóvel de matrícula 31556, bem como para desconsiderar o valor indenizatório fixado, cumprirndo a sua apuração em sede de liquidação de sentença – fls. 524/529.

Vieram os autos conclusos.

Observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des. Alzir Felippe Schmitz (RELATOR)

Os apelos sob análise devem ser conhecidos, pois preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Antes de apreciar os recursos, esclareço que a autora, Verydiana, foi registrada como filha de Silvânia e do extinto Luiz Ariosto que, por sua vez, é filho de Onório, já falecido, e Nilda, que também são pais de Mara Regina.

Ocorre que, quando do óbito de Luiz Ariosto, seus bens foram partilhados exclusivamente entre a esposa Silvânia e os ascendentes, Onório e Nilda, que somente foi contemplada quando da partilha decorrente do óbito de Onório. Via de consequência, Verydiana, se afirmando filha e herdeira necessária de Luiz Ariosto, ajuizou a presente ação, com vistas à nulidade da partilha levada a efeito por ocasião da morte do seu pai. Como Onório, por corolário, recebeu os bens que tocariam à autora, tal patrimônio, quando do seu falecimento, restou inventariado, de sorte que ela também postula a nulidade da partilha havida pelo óbito do avô. Além disso, a demandante requereu indenização pelos bens que alega terem sido injustamente ceifados da sua propriedade.

Os recursos em voga visam à reforma da sentença que, julgando procedente a ação de petição de herança cumulada com nulidade de partilhas e pedido indenizatório, decretou a nulidade dos processos de inventários dos espólios de Luiz Ariosto e de Onório, para que sejam reiniciados novos procedimentos, bem como condenou a ré Nilda ao pagamento de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) relativos aos danos materiais e lucros cessantes devidos à autora pelo uso exclusivo dos bens do espólio de Luiz Ariosto, incluindo juros e correção monetária. Por fim, declarou a nulidade dos usufrutos constituídos sobre os imóveis matriculados sob os números 1382 e 31556 do CRI de Uruguaiana e, dada a sucumbência, condenou os demandados ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos procuradores do autor, os quais fixou em 10% (dez por cento) sobre o valor da indenização.

Preliminarmente, cumpre apreciar o agravo retido reiterado por Mara Regina, que se baseia na alegação de cerceamento de defesa.

Segundo a parte agravante, o cerceamento de defesa estaria configurado porque indeferidos os pedidos de expedição de Ofício à Santa Casa de Caridade e, subsidiariamente, teste de DNA, pois a paternidade da autora é nebulosa.

Com efeito, analisando detidamente a prova coligida, encontro forte motivação para investigarmos a relação estabelecida entre o falecido Luiz Ariosto e Verydiana, ainda que seu nome conste da certidão de nascimento da “filha”.

Ora, quando do falecimento de Luiz Ariosto, foi aberto o correspondente inventário, e a então viúva Silvânia atuou como inventariante, declarando que o casal não possuía filhos. Assim, tramitou o inventário, culminando com a partilha de bens entre a viúva e os genitores do falecido.

Esta é a partilha que a sentença declarou nula, mas não me parece o melhor caminho a ser adotado, até mesmo porque se presume a boa-fé dos envolvidos.

Dois anos depois do passamento, a certidão de nascimento de Verydiana foi lavrada, a partir da declaração de Silvânia, passando Verydiana a constar como filha do casal Luiz Ariosto e Silvânia. Porém, pelo relato das próprias partes envolvidas, Verydiana não era filha biológica do casal e teria sido introduzida na família, ainda bebê, dois meses antes da morte de Luiz Ariosto.

Destaco, por oportuno, que a sentença atacada acabou por refletir que, embora incontroverso que Verydiana não fosse filha biológica de Luiz Ariosto, traduzindo flagrante nulidade daquela certidão de nascimento que não foi precedida de qualquer procedimento de adoção regular, estaria presente a socioafetividade. Porém, estamos aqui tratando de uma socioafetividade que teria se estabelecido entre uma criança recém-nascida e o suposto pai afetivo em apenas dois meses (!!!).

Esta Corte vem reconhecendo alguns casos de paternidade socioafetiva, mas convenhamos que o caso concreto não passa despercebido pela sua singularidade, seja pelo registro civil lavrado dois anos depois, imputando a paternidade a Luiz Ariosto, já morto, sem qualquer processo de adoção, seja pela declaração incidente de paternidade socioafetiva refletida em sentença nos presentes autos.

Enfim, diante do contexto em referência, tenho que o recurso de agravo retido merece ser provido para que seja desconstituída a sentença e viabilizada a dilação probatória quanto à paternidade de Luiz Ariosto e Verydiana, seja pela expedição de ofício à Santa Casa de Caridade para averiguar a que título Verydiana foi inserida na família de Luiz Ariosto, seja pela ampliação da prova já coligida.

Por fim, não podemos perder de vista que nem mesmo a prova ora determinada deverá ser objeto de apreciação exclusiva, e sim o conjunto probatório, pois a partilha ocorrida no inventário de Luiz Ariosto refletia a real possibilidade jurídica de distribuição dos bens do morto naquela oportunidade. Afinal, no momento da morte, Luiz Ariosto não constava com pai de Verydiana, tampouco Silvânia prestou informação diversa. Muito pelo contrário. Afirmou, peremptoriamente, que o casal não tinha filhos.

Assim sendo, voto no sentido de dar provimento ao agravo retido para desconstituir a sentença e determinar a reabertura da fase instrutória, prejudicados os apelos.

Na sessão realizada em 02 de outubro de 2014, o Eminente Colega, Des. Rui Portanova, pediu vistas dos autos.

Em regime de discussão, reconsidero o voto externado na sessão de julgamento passada.

Em primeiro lugar, constato que esta Corte já afastou a possibilidade de rediscutirmos a paternidade de Luiz Ariosto em relação a Verydiana nestes autos, quando julgado o Agravo de Instrumento nº 70046400495, interposto por Nilda, que culminou com a seguinte conclusão: “A pretensão das rés e da agravante em desconstituir a paternidade registral, somente poderá ser deduzida em ação própria, ensejando que a prova postulada, objeto deste recurso, é estranha ao feito, descabendo sua realização nestes autos.” (sic fl. 539).

Portanto, eventual arguição de falsidade do documento registral deveria ser deduzida na via própria, e assim não o fizeram as apelantes, ainda que transcorridos mais de dois anos desde o julgamento em referência.

No mesmo sentido, não passa despercebido que Verydiana foi recebida pela família como filha de Luiz Ariosto e, em razão desse reconhecimento das apelantes, também se deu o reconhecimento da condição de herdeira neta de Verydiana, no inventário de Onório – sem levantar qualquer irregularidade ou suspeita no registro de nascimento feito 19 anos antes por Silvânia. Por conseguinte, concluo que não estão agora autorizadas, as apelantes, a pleitear a remessa de ofícios ao cartório de registro civil e Hospital Santa Casa de Caridade, ou qualquer outra das providências pretendidas para averiguar a validade do registro, tal como requerido no agravo retido.

Destarte, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO.

Passo, então, ao exame do mérito dos apelos

Conforme exsurge de todo o contexto probatório, é certo que Verydiana não é filha biológica do falecido Luiz Ariosto. Por igual, não há nenhuma dúvida da ilegalidade do registro de nascimento de VEYDIANA quando fez constar LUIZ ARIOSTO como pai, porque ele, ao tempo do registro, já estava morto.

Seja como for, é bem de ver que toda a família - seja a tia apelante MARA, seja a avó NILDA - acolheram a apelada como integrante da família, na condição de neta de Onório e filha de Luiz Ariosto, como reconhecido publicamente pela sociedade e também pelo Estado.

Ilustra o depoimento pessoal de Nilda:

“Juíza : E a Verydiana é sua neta?

Parte ré : Olha, a gente intitulava como neta, porque a mãe dela pegou e criou né.

Juíza : E a mãe dela era casada com seu filho?

Parte ré : Era casada com meu filho.

(...)

Juíza : O seu filho tinha ciência que essa criança não era filha biológica dele?

Parte ré : Ele sabia que não era, claro que ele sabia.

Juíza : E recebeu essa criança dentro de casa?

Parte ré : Recebeu. A gente não podia fazer nada né.

Juíza : E a senhora recebia essa criança junto com as suas outras netas em casa?

Parte ré : Recebia, fazer o que... a gente pega até amor né.

Juíza : E o seu filho via essa criança como filha dele? Filha adotiva?

Parte ré : Olha, ele não teve nem tempo pra isso...

Juíza : Eu pergunto se nesses dois meses alguma vez ele manifestou que ele não queria essa criança?

Parte ré : Não, ele nunca manifestou isso. Ele aceitou a criança né. Ele tinha problema de alcoolismo também.”

Dito isso, a tarefa fundamental agora é identificar se, na data do óbito de Luiz Ariosto, a autora Verydiana já poderia ser considerada – para efeitos jurídicos - filha de Luiz Ariosto, a ponto de justificar a nulidade da partilha dos bens de inventário do pai registral e, por consequência, a nulidade da partilha dos bens, decorrente do óbito posterior do avô Onório.

A sentença considerou que, na data do óbito de Luiz Ariosto, a “socioafetividade é perfeitamente corroborada pelas fotografias juntadas às fls. 293/296; pela “Lembrança do Batismo”, documento lavrado quando ainda vivo Luiz Ariosto e onde este figura como pai de Verydiana; e bem assim, no depoimento pessoal da demandada Nilda” e outras testemunhas (fl. 449 verso).

O tempo e as circunstâncias mostraram que Luiz Ariosto e sua esposa Silvana receberam Verydiana em sua casa, logo após o nascimento da menina, com a intenção de adotá-la no futuro.

Contudo, “data venia”, em que pese as fotos e o convite de batismo, onde Luiz Ariosto figurou como pai de Verydiana, na data da abertura da sucessão, a adoção ainda não era ato jurídico perfeito e acabado.

Tanto a “adoção” não era ainda ato jurídico perfeito e acabado que a mãe de Verydiana, a meeira/viúva e inventariante SILVANIA, declarou na abertura do inventário que o falecido Luiz Ariosto “não deixou testamento nem filhos” (fl. 26).

Ou seja, a própria mãe negou a existência de VERYDIANA como filha naquele momento.

Vale destacar aqui, que a alegação da genitora Silvânia, na fl. 247/248, de que a condução do inventário do marido foi feita exclusivamente pelo sogro Onório, não foi provada satisfatoriamente, sendo que o “termo de compromisso” assinado em julho de 1988 (fl. 250), apenas demonstra que o sogro Onório reconheceu que a meeira Silvânia tinha direito de meação sobre determinados bens, objeto de cessão em favor de Onório.

Portanto, como dito, na data da abertura da sucessão de Luiz Ariosto não havia sido realizada – de forma plena e cabal – o ato jurídico da adoção, seja regular e solene, seja “à brasileira”.

No mesmo passo, rogando vênia, também, por ocasião da morte de Luiz Ariosto, não é lícito afirmar – sem medo de errar – que já havia paternidade socioafetiva como entendeu a sentença.

É de conhecimento geral, decorrente dos usos e costumes e da natureza humana inclusive, que uma relação de paternidade ou maternidade socioafetiva se constrói ao longo do tempo.

A socioafetividade – diferente da filiação biológica decorrente do casamento – não “nasce pronta”, a partir do simples fato de um casal “pegar” uma criança recém nascida do hospital.

Com efeito, a socioafetividade vai se “construindo” ao longo de um tempo razoável, para o qual o curto período de convivência de dois meses não é suficiente. É que 02 meses não é tempo seguro para se afirmar que a relação filial entre os “cuidadores” (pretensos adotantes) e a criança irá se sustentar. E o exemplo da incerteza da relação paterno-filial está contido neste mesmo processo.

Veja-se que o casal de Silvânia e Luiz Ariosto, antes de receber a apelada Verydiana para criar, em razão da impossibilidade de ter filhos biológicos, já estavam tentando adotar alguma criança, através de um procedimento tão ilícito quanto atípico diretamente no hospital Uruguaiana.

Consta inclusive que antes de Verydiana, o casal já havia recebido aos seus cuidados uma anterior criança, mas a “adoção” não vingou, porque a mãe biológica dessa primeira criança se arrependeu e pediu a criança de volta.

É o que informa a testemunha Patrícia Tusi Peruzzi, reproduzida na sentença (fl. 450):

Procurador da autora: Se ela acompanhou os atos de adoção praticados pelo Seu Luiz Ariosto e a Dona Silvana da autora.

Testemunha: Sim.

Juíza: O que eles praticaram?

Testemunha: Eles tinham muita vontade de ter um filho, e o Luiz... eu sou irmã da esposa do Luiz, e …

Juíza: Como é o nome da esposa?

Testemunha: Silvânia. E eles tinham muita vontade de ter um filho, e aí partiram pra adoção, porque ele não podia ter filho.

Procurador da autora: Se ela acompanhou quando a autora foi levada para o seio da família?

Testemunha: Sim, claro.

(…)

Procurador da ré: A minha pergunta se refere aos atos de adoção, o que significa, como essa criança foi parar com a Dona Silvana? Teve processo legal?

Juíza: A Dona Silvana ganhou essa criança de alguém formalmente? A Dona Silvana veio no fórum e pediu a gurda dessa criança? Como é que foi, a senhora se recorda como é que a Verydiana chegou até …

Testemunha: Eles adotaram através do hospital.

Juíza: No hospital?

Testemunha: Isso. Eles tavam na fila tudo... até eles adotaram uma menina antes que daí não deu certo e a mãe quis de volta e eles devolveram, daí ela já era a segunda que eles tavam esperando através do hospital .”

Ora, da mesma forma como ocorreu na primeira tentativa de adoção, diretamente no hospital, a segunda tentativa de adoção da apelada ainda estava dentro daquele período nebuloso e ainda com a mesma chance de não vingar.

Seja em razão de um novo arrependimento dos pais biológicos da apelada, seja em razão de eventual incompatibilidade de Luiz Ariosto e Silvânia, a adoção futura, por ocasião da abertura da sucessão, com apenas dois meses de convivência, era incerta.

Tanto que somente após 02 anos – com o acolhimento familiar consolidado – é que Silvânia (sem que se saiba exatamente como, mas de forma induvidosamente ilícita) logrou êxito em registrar Verydiana como filha dela e do falecido Luiz Ariosto.

Contudo, por ocasião da abertura da sucessão, não havia sido perfectibilizada a adoção, tampouco construída a socioafetividade entre Luiz Ariosto e Verydiana.

Nunca se pode esquecer que o registro falso, como o presente, tem levado o nome de “adoção à brasileira”. Contudo, definitivamente, de adoção não se trata. É apenas uma ficção criada pela jurisprudência para, de uma forma ou de outra evitar – em situações diversas – indevidos arrependimentos.

Nessas circunstâncias não se vá alongar os efeitos de uma adoção, quando estamos diante, tão somente, de uma ficção. Não é lícito invocar – pela ausência de procedimento legal de adoção – a retroatividade de eventual reconhecimento de adoção, em analogia com o artigo 47, § 7º combinado com § 6º do artigo 42 do ECA.

Desse modo, aplicando-se o princípio da saisene, por ocasião da abertura da sucessão de Luiz Ariosto, a autora/apelada não era ainda filha do falecido.

Feitas tais considerações, estou entendendo que a partilha de bens do inventário de Luiz Ariosto é plenamente válida, pois é a única que poderia ter sido procedida à época dos fatos. Por conseguinte, também afasto o pleito indenizatório que havia sido acolhido em primeiro grau.

Quanto à partilha dos bens de Onório, contudo, não se pode dizer o mesmo, visto que a autora, já maior, outorgou procuração ao Dr. Miguel Silva Neto “sem poderes para transigir” (fl.17), de sorte que todos os ajustes, pagamentos e reposições financeiras ou de imóveis realizados são nulos (fls. 58/64).

Assim sendo, a homoloção refletida à fl. 80, relativa à partilha dos bens deixados por Onório, não pode persistir.

Por derradeiro, resta apreciar a distribuição dos ônus da sucumbência.

Considerando que houve sucumbência recíproca, já que a ação será parcialmente procedente, condeno as partes ao rateio igualitário das custas processuais e dos honorários advocatícios, sendo que ora redimensiono a verba honorária global para R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em observância aos valores discutidos na demanda e ao trabalho desenvolvido nos autos. Ainda, determino a compensação, conforme o artigo 21 do CPC e a Súmula 306 do STJ, mas suspendo a exigibilidade em relação a Verydiana, que litiga sob o pálio da AJG.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO e DOU PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS para reconhecer a validade integral da partilha decorrente do inventário dos bens deixados por Luiz Ariosto, mas declarar a nulidade da partilha dos bens deixados por Onório, acolhendo, portanto, todos os pedidos conseqüentes da nulidade, tais como desfazimento de colações, doações, usufrutos, pagamentos efetuados na segunda partilha.

Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (REVISOR)

Colegas, estou acompanhando integralmente as conclusões do eminente relator.

Primeiramente, também afasto a alegação de nulidade, desacolhendo o agravo retido interposto pela ré Mara (fl. 310), eis que o tema foi objeto de enfrentamento proposto para esta Corte de Justiça em agravo de instrumento (fl. 320) ofertado pela ré Nilda (nº 70046400495, fls. 348/363), sendo mantida a decisão, tratando-se, portanto, de tema já superado.

Assim como o relator, julgo improcedente o pedido de anulação da partilha de Ariosto (sentença de 20/10/1988, fl. 40), pai registral da autora Verydiana.

Com efeito, Ariosto faleceu em 04/04/88, dois meses depois do nascimento da autora, que se deu em 01/2/88, e seu inventário (de Ariosto) transitou em julgado em 21/10/88.

Após, datada de 04/07/90, sobreveio a comprovação de que a genitora Silvânia registrou a autora como sua filha e do falecido Ariosto (é o que consta na certidão da fl. 50), embora nos próprios autos do processo sucessório de seu falecido esposo tivesse afirmado categoricamente que ele falecera sem filhos (ela explica o registro nas fls. 112/113).

Se isso se deu por declaração materna e pela comprovação do casamento (presunção pater is est) ou por outra forma, não se sabe, já que tal fato (a filiação e o recebimento de Verydiana como integrante do grupo familiar) foi tido sem que fosse apurado exatamente o que ocorreu.

Nesse sentido, as testemunhas ouvidas durante a instrução processual deixaram transparecer que a autora não seria filha biológica de nenhum dos dois (adoção “à brasileira”?), constando na sentença referência a uma paternidade socioafetiva, aspecto que, forçoso faz-se admitir, apesar de não ter sido devida e frontalmente enfrentado, é inquestionável, não controvertendo as partes, rigorosamente, a esse respeito (e são incontáveis as práticas que assinalam esse status, v. g., doação do avô à neta; declarações da avó Nilda de que seu filho Ariosto pegou Verydiana ainda bebê, batizou-a e recebeu-a em casa, fl. 422; lembrança de batismo datada de 29/03/1988, fl. 292; habilitação da autora no feito sucessório do avô em representação ao pai etc.).

No entanto, em relação ao pai Ariosto, uma suposta convivência teria se dado por exíguo período de tempo (dois meses e dois dias, tempo transcorrido entre o nascimento da autora e o passamento dele), não se podendo reconhecer à demandante vocação hereditária quanto ao acervo transmitido por Ariosto, já que essa aptidão mede-se no momento da abertura da sucessão, isto é, morte (saisine), tempo em que não era ainda filha sua (relembre-se: sua mãe, inventariante, declarou que Ariosto não deixara filhos, fl. 26).

Realço que essa filiação socioafetiva posteriormente afirmada, pela forma ilegítima como foi efetivada, não consagra adoção póstuma, o que cogito apenas para argumentar, já que, aí sim, poder-se-ia também conjeturar de efeitos retroativos à morte. Isso porque, àquela época, esse instituto não era previsto na lei civil fundamental e porque o art. 368 do CCB/16, então vigente, exigia a idade mínima de 30 anos (o falecido tinha 26 anos de vida), sendo sintomático que em sua inicial a autora nada tenha alinhado a respeito disso (que, ainda assim, seria tentativa de afirmação de uma visão anacrônica sobre a adoção).

Por fim, a autora habilitou-se no inventário do avô, quando já era maior e capaz, e nada reclamou.

Não obstante isso, julgo procedente o pedido de anulação de partilha dos bens deixados pelo avô Onório (sentença de 19.10.2009, fl. 80, e a presente ação foi intentada em 20.10.2010, fl. 2).

É que certos imóveis que compuseram o acervo hereditário foram doados por Onório à demandante no ano de 1994, com dispensa de colação (é o que consta nas matrículas nº 1.381, fl. 16, e nº 1.382, fl. 19), recebendo Verydiana ainda a doação do imóvel de matrícula nº 31.556, em 2008 (fl. 22).

Assim, e não obstante tenha o avô também feito doação à sua filha Mara (fls. 59/62), entendo que, em princípio, a neta teria que colacionar o que saiu da parte disponível do avô apenas para fins de apuração da parte que a excedeu eventualmente, cumprindo que se enfrentar ainda o recebimento, se livre e desembaraçado ou não, daquilo que constitui a sua legítima.

Procede, portanto, a tradução de que experimentou prejuízo, visto que não conferiu poderes ao procurador no inventário do avô para transigir (é o que alega na inicial, fl. 6), como se observa da procuração da fl. 47, e levar à colação o que não deveria ter sido colacionado é, ao cabo, abrir mão de direito, renunciar, transigir, para o que não existiam poderes.

Des. Rui Portanova (PRESIDENTE)

Com a alteração do voto do digno Relator – em sede do pedido de vista – estou por acompanhar integralmente o julgamento de desprovimento do agravo retido e parcial provimentos dos apelos.

Antes de mais nada quero trazer uma questão menor: um tema de processo.

Costuma-se dizer que “a inicial é o projeto da sentença”.

No presente caso, se olharmos “o pedido” da inicial e da sentença nada há a reparar.

Contudo, uma leitura atenta sobre “a causa de pedir” da sentença e o fundamento da sentença, mostrará grande discrepância.

A inicial não diz palavra sobre “paternidade ou adoção socioafetiva”. A causa de pedir se funda no registro.

Contudo, ao tempo da sentença, já se via os graves defeitos do registro de nascimento da apelada.

Seja como for, não custa registrar que o processo em sua complexidade evoluiu. Não há defeito no contraditório.

Mas o descompasso entre a causa de pedir da inicial e os fundamentos da sentença poderia causar graves problemas.

Seja como for, por ocasião da abertura da primeira sucessão de Luiz Ariosto, não havia ainda se formado paternidade socioafetiva e muito menos perfectibilizada adoção de Luiz Ariosto em relação a Verydiana.

O que se viu, ao longo do tempo das relações familiares, foi, na verdade, a constituição de uma “parentalidade socioafetiva” ou uma “socio-familiariedade”, entre Verydiana e a família do avô Onório, tanto que a neta “afetiva” participou na sucessão do avô, como herdeira-neta, em representação do pai pré-morto.

Circunstância que, ainda que Verydiana tenha consentido no acordo da partilha do avô - reconhecendo, dessa forma, a validade da partilha do pai – não convalida a nulidade decorrente da renúncia ao direito de não colacionar bens doados por Onório, realizada através de procurador que não possuía poderes especiais para transigir.

Portanto, em consequencia da não outorga por Verydiana de poderes especiais para transigir, a segunda partilha de Onório deve ser mesmo nulificada, por esse motivo, e não pela tese da inicial, como consequencia da nulidade da primeira partilha do inventário de Luiz Ariosto.

Dito isso, vale registrar que não há fundamento para condenar as apelantes à indenização por frutos não percebidos por Verydiana, decorrente do não exercício da posse das terras pela autora/apelada.

Com efeito, as apelantes exerciam posse decorrente de decisões judicias homologatórias de partilha, com justo título, e absoluta boa-fé. Logo, não há se falar em indenização por frutos que a autora deixou de perceber (artigo 1214 do Código Civil).

Aliás, a boa fé dos tios e avós de Verydiana, em todos os sentidos, mostrou-se bastante clara nestes autos. Tanto que, o pedido de indenização, neste momento guarda mais proximidade com a mercantilização do afeto do que com o Direito.

Tudo a mostrar que os parentes adotaram Verydiana, mas não parece que Verydana adotou os parentes.

DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº 70057764524, Comarca de Uruguaiana: "NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS. UNÂNIME."

Julgador (a) de 1º Grau: MICHELE SOARES WOUTERS

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