Jonas foi condenado, nos autos do processo nº 005/2.17.0001109-3, à pena privativa de liberdade no total de 02 (dois) anos de reclusão, substituída pela pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade, e à pena de multa no valor de 10 (dez) dias-multa à razão unitária mínima.
Iniciada a execução, a pena de multa foi liquidada no valor de R$ 341,86 (trezentos e quarenta e um reais e oitenta e seis centavos), ao que foi o apenado intimado a efetuar o pagamento, no entanto não o fez.
Em 17/06/2019 foi proferida a seguinte decisão no PEC nº 167405-6, suspendendo o cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade (processo nº 005/2.17.0001109-3) em razão do recolhimento do reeducando em estabelecimento prisional de regime fechado:
"Vistos, etc.
Junto aos autos consulta realizada no site da SSP/RS (fl. 97) e prints extraídos do sistema Themis (fl. 97v), onde se verifica que o apenado JONAS DA SILVA FERREIRA encontra-se recolhido preventivamente no PEBG pelo processo 005/2.19.0002259-5; porém, ainda não foi prolatada sentença no referido processo; assim, não há que se falar, ao menos neste momento, em incompatibilidade de penas.
Assim, a fim de evitar prejuízo ao apenado, suspendo o cumprimento da prestação de serviços à comunidade até que seja concedida a liberdade ou prolatada sentença no processo supramencionado. Tal entendimento encontra respaldo na jurisprudência.
Nesse sentido:
“AGRAVO EM EXECUÇÃO. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. PRISÃO PREVENTIVA. CONVERSÃO. SUSPENSÃO. O recolhimento cautelar do apenado, por força de prisão preventiva decretada em outro processo, não tem o condão de ensejar a conversão da pena restritiva de direitos a que também foi condenado, em privativa de liberdade, somente cabível diante da superveniência de condenação definitiva. Precedentes do E. STF e desta Oitava Câmara Criminal. Hipótese que aconselha a suspensão das restritivas que estavam em andamento, até que sobrevenha o trânsito em julgado da condenação no processo pelo qual o preso encontra-se provisoriamente recolhido no regime fechado (processo nº 010/2.13.0005483-0). Superveniência de execução provisória da sentença que não altera o quadro presente, na medida em que a prisão, mantida na sentença, continua a ter o caráter cautelar, até que a condenação transite em julgado. Inteligência do art. 387, § 1º do CPP. Impossibilidade de acolhimento da pretensão ministerial de conversão. Provimento parcial do recurso para suspender as penas restritivas de direitos até o trânsito em julgado da condenação do processo 010/2.13.0005483-0, quando, então, o magistrado estará autorizado à conversão, caso entenda pela impossibilidade de cumprimento simultâneo. AGRAVO EM EXECUÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. DETERMINADA A SUSPENSÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS OBJETO DO PROCESSO Nº 010/2.09.0006251-7 ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO DO PROCESSO Nº 010/2.13.0005483-0.” ( Agravo Nº 70071596662, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 22/02/2017)
Solicite-se à 2ª Vara Criminal que, tão logo haja revogação da prisão preventiva ou prolação de sentença no processo 005/2.19.0002259-5, comunique à VEC, cujo PEC deverá ir com vista às partes e, após, voltar concluso.
Intimem-se.
Cópia da presente servirá como ofício."
Posteriormente, na Ação Penal nº 005/2.19.0002259-5, Jonas foi condenado à pena de 07 (sete) anos de reclusão, pela prática de crime de tráfico de drogas, tendo iniciado o cumprimento provisório da execução da pena em 23/09/2019 sob o Processo de Execução Penal de nº XXXXX-98.2018.8.21.0005.
Diante da inércia do executado quanto ao pagamento da pena pecuniária no processo 005/2.17.0001109-3, o Ministério Público apresentou petição em 28/05/2019 a fim de promover a execução da pena de multa.
Em 06/11/2019 A Magistrada da execução deixou de receber a petição do Ministério Público, nos seguintes termos:
"Vistos, etc.
O Ministério Público ajuizou Execução de Pena de Multa Imposta em Sentença Penal Condenatória contra JONAS DA SILVA FERREIRA, alegando, em síntese, inércia do apenado no pagamento no prazo de 30 dias, fixado pelo Juízo (fls. 02/04).
O pedido foi instruído com os documentos de fls. 05/10.
Vieram os autos conclusos.
Decido.
I - Junto aos autos cópia da GEC do PEC XXXXX-6, referente ao apenado JONAS DA SILVA FERREIRA (fl. 11);
II - Inicialmente, transcrevo a ementa da ADI 3150/DF, referente à decisão proferida pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, na qual foi reconhecida a legitimidade do representante do Ministério Público para execução da pena de multa em condenações penais:
"EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PENA DE MULTA. LEGITIMIDADE PRIORITÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão 'aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição' não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980."(grifei)
De acordo com o item II das teses fixadas, fica claro que, caso o Ministério Público não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias após o trânsito em julgado da sentença, será comunicado o órgão competente da Fazenda Pública para efetuar a cobrança via execução fiscal.
No processo que tramita no SEI sob nº 8.2019.0010/XXXXX-6, no qual a Juíza da Comarca de Erechim solicita esclarecimentos acerca do procedimento a ser adotado nas execuções fiscais penais referentes à pena de multa, a Corregedora-Geral da Justiça acolheu o parecer do Juiz-Corregedor André de Oliveira Pires, o qual concluiu:"...Pelo exposto, opino seja a magistrada da 2ª Vara Criminal da Comarca de Erechim orientada no sentido de que a cobrança para pagamento da multa penal, decorrente da sentença condenatória, será realizada prioritariamente pelo Ministério Público na Vara de Execução Criminal, tendo em vista se tratar de sanção criminal (pena pecuniária). No entanto, em não sendo proposta pelo Ministério Público a execução da multa no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença, o juízo criminal comunicará ao órgão competente da Fazenda Pública para efetuar a cobrança na Vara da Fazenda Pública, em processo de execução fiscal."
Ao analisar a decisão proferida pelo STF na ADI 3150 e a orientação da CGJ, conclui-se que o Ministério Público tem legitimidade para executar a pena de multa perante a VEC no prazo de 90 (noventa) dias a contar do trânsito em julgado da condenação; decorrido esse lapso temporal, a legitimidade é da Fazenda Pública, através do procedimento fiscal pertinente.
No presente feito, de acordo com a cópia da GEC (fl. 11), a condenação referente ao processo 005/2.17.0001109-3 (que deu origem ao PEC XXXXX-6) transitou em julgado em 16/05/2018, portanto, quando do ajuizamento do presente feito (28/05/2019), já havia decorrido o prazo de 90 (noventa) dias para que o Ministério Público ajuizasse, conforme legitimidade autorizada pelo STF, execução da pena de multa na Vara de Execuções Criminais.
Assim sendo, deixo de receber a petição inicial.
Intime-se o Ministério Público.
Nos autos do PEC, junte-se cópia da presente decisão e, tratando-se de valor inferior ao descrito no art. 2º da Lei 12.031/2003, comunique-se à Fazenda Pública a respeito da multa impaga.
Com o trânsito em julgado, anote-se e arquive-se."
Insurge-se o Ministério Público contra essa decisão, alegando que a decisão da ADI referida na decisão agravada foi tomada somente em 13/12/2018, ou seja, mais de 90 dias depois do trânsito em julgado da sentença que determinou a pena de multa, de modo que o Parquet não teria como prever que teria de ajuizar execução da pena no prazo de 90 (noventa) dias. Ademais, argui que não há informação que "o Parquet atuante junto ao 1º grau tenha sido devidamente intimado do trânsito em julgado da decisão cuja pena de multa se pretende executar - o que, aliás, é requisito elencado pela própria ADI nº 3150/STF" ( evento 1 - INIC1, p. 27-32).
Assiste razão ao agravante no presente caso.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a pena de multa teve sua natureza discutida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.150, a qual discutiu a legitimidade para execução da pena de multa após a alteração do art. 51 do Código Penal que passou a ter a seguinte redação com a Lei nº 9.268/1966/1966:
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
A partir dessa alteração legislativa, passou-se a perceber, nos Tribunais, dois entendimentos distintos, o primeiro, majoritário, de que a reforma do artigo 51 transferia a legitimidade da execução da pena - que era do Ministério Público pelo art. 164 da Lei de Execução Penal - para a Fazenda Pública:
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENA DE MULTA. COMPETÊNCIA. LEI Nº 9.268/96. ARTIGO 51 DO CÓDIGO PENAL.
1. É firme o entendimento desta Corte Superior de Justiça no sentido de que, com o advento da Lei nº 9.268/96, dando nova redação ao artigo 51 do Código Penal, afastou-se do Ministério Público a legitimidade para promover a execução de pena de multa imposta em decorrência de processo criminal. Trata-se, pois, de atribuição da Procuradoria da Fazenda Pública, havendo juízo especializado para a cobrança da dívida, que não o da Vara de Execuções Penais.
2. Ao Juízo da Vara de Execuções Penais, todavia, compete, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, intimar o condenado para que efetue o pagamento da multa no prazo fixado no artigo 50 do Código Penal, só comunicando à Fazenda Pública para que proceda à execução fiscal no juízo especializado se transcorrido in albis referido lapso temporal.
3. Recurso conhecido.
( REsp 286.884/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2001, DJ 13/08/2001, p. 310)
Outro entendimento observado, foi no sentido de que a pena de multa, por ter natureza de sanção penal, deveria ser executada pelo Ministério Público:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. MEDIDAS ASSECURATÓRIAS PARA RESGUARDAR A EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRESENÇA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À DECRETAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR. RECURSO DESPROVIDO.
I. Com a edição da Lei n. 9.268/96, a qual deu nova redação ao art.
51 do Código Penal, modificou-se o procedimento de cobrança da pena de multa, passando-se a aplicar as regras referentes à Fazenda Pública sem que, no entanto, a pena de multa tenha perdido sua natureza jurídica de sanção penal.
II. Hipótese na qual a legitimidade do Ministério Público para requerer o pedido de arresto está assegurada tanto pelo art. 142 do Código de Processo Penal quanto pela própria titularidade da ação penal, conferida pela Constituição Federal. Precedente.
III. A materialidade do delito e a presença de indícios suficientes de autoria necessárias à decretação da medida assecuratória do arresto estão amparadas pela existência de sentença condenatória em desfavor do recorrente. Precedente.
IV. Recurso desprovido
( REsp XXXXX/PR, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 25/03/2015)
A ADI nº 3.150, portanto, em atenção à essa controvérsia, estabeleceu o seguinte:
"Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980" .
Como se vê, tal determinação não retira do Ministério Público a legitimidade de executar a pena de multa após o prazo razoável de 90 (noventa) dias definido no julgamento, mas tão somente confere também à Fazenda Pública legitimidade para tanto.
É de se apontar que tal entendimento, de que a pena de multa tem natureza de sanção criminal, ou seja, de pena, de modo que cabe ao Parquet a sua execução, conforme determina o Art. 164, da Lei de Execução Penal, ficou esclarecido no referido julgamento, dispositivo esse que, conforme enfatizou o Ministro Roberto Barroso em seu voto na ADI, não foi revogado pela Lei nº 9.268/1966.
A legitimidade da Fazenda Pública para a execução da pena de multa deve ocorrer nos casos de inércia do Ministério Público, possuindo caráter subsidiário, conforme determinado no julgamento da ADI.
É nesse sentido que tem entendido esse Tribunal de Justiça:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. PENA DE MULTA. EXECUÇÃO. REJEIÇÃO DA INICIAL. ADI3150/STF LEGITIMIDADE PRIORITÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. DECISÃO REFORMADA. 1.Nos termos da ADI3150/STF, firmou-se o entendimento no sentido de que, tratando-se a pena de multa de sanção criminal, o Ministério Público possui legitimidade prioritária para a sua execução, sendo a legitimidade da Fazenda Pública subsidiária. Desta forma, caso o Ministério Público não inicie o processo executório da pena de multa, o Magistrado da VEC deve dar ciência à Fazenda Pública para que realize a respectiva cobrança na Vara de Execução Fiscal. 2, E, muito embora ultrapassado o prazo de 90 dias do trânsito em julgado da condenação, não tendo havido o cumprimento pelo apenado e não tendo sido iniciada a execução da pena de multa pela Fazenda Pública, permanece a legitimidade do Ministério Público para o processo executório. RECURSO PROVIDO.(Agravo de Execução Penal, Nº 70085138576, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rinez da Trindade, Julgado em: 25-08-2021) - grifei
Cumpre apontar, ainda, a determinação constante nos Embargos de Declaração opostos na ADI nº 3.150:
"O Tribunal, por maioria, acolheu os embargos de declaração, modulando temporalmente os efeitos da decisão, de modo a estabelecer a competência concorrente da Procuradoria da Fazenda Pública quanto às execuções findas ou iniciadas até a data do trânsito em julgado da presente ação direta de inconstitucionalidade"
O referido julgamento alcança o presente caso, pois estabelece a competência concorrente entre o Ministério Público e a Fazenda Pública antes da data do julgamento da ADI, considerando que ainda não houve o adimplemento da pena de multa pelo apenado, tampouco iniciada a execução por parte da Fazenda Pública.
Neste contexto, o Ministério Público é legítimo para ajuizar a execução da pena de multa, devendo ser reformada a decisão que não recebeu a petição.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso de agravo de execução.