CLAUDIA PORTO DA ROSA, como demandante, interpõe agravo de instrumento à decisão interlocutória do juízo (Evento 4 do processo originário) que, nos autos da ação pelo rito ordinário promovida a FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, indeferiu-lhe o requerimento para a concessão do benefício da gratuidade judiciária.
A decisão agravada foi proferida com os seguintes termos:
Vistos.
A parte Autora requereu o benefício de gratuidade da justiça.
O art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, dispõe “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, e, de acordo com o artigo 98 do NCPC/2015, a pessoa natural ou jurídica, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça.
Embora para a concessão da gratuidade não se exija o estado de miséria absoluta, é necessária a comprovação da impossibilidade de arcar com as custas e despesas do processo sem prejuízo de seu sustento próprio ou de sua família.
Ademais, conforme entendimento consolidado do Tribunal de Justiça deste Estado em casos semelhantes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA FÍSICA. MANUTENÇÃO DO INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. A jurisprudência firmada por esta Corte é no sentido da concessão do benefício da AJG para quem aufere renda até 5 salários mínimos brutos. Não é o caso dos autos. RECURSO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. ( Agravo de Instrumento Nº 70077266930, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 10/04/2018)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AJG. Matéria objeto da conclusão 49ª, aprovada pelo Centro de Estudos do TJRS O benefício da gratuidade judiciária pode ser concedido, sem maiores perquirições, aos que tiverem renda mensal bruta comprovada de até (5) cinco salários mínimos nacionais. No caso dos autos, a pessoa natural possui renda mensal superior a cinco (5) salários mínimos. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. ( Agravo de Instrumento Nº 70075936997, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 29/03/2018)
No caso em análise, resta evidente que os percebimentos mensais brutos da parte ultrapassam o limite estabelecido para concessão da benesse.
Portanto, indefiro o pedido de AJG.
INTIME-SE a parte Autora para que proceda ao recolhimento das custas iniciais, no prazo de 15 dias, sob pena de cancelamento da distribuição, nos termos do art. 290 do CPC.
A agravante alega, em essência, que atualmente sua renda líquida mensal é de R$ 5.336,59, bem como se encontra superendividado. Postula, assim, o provimento do recurso para o deferimento da gratuidade judiciária ou parcelamento das custas.
Relatei. Decido monocraticamente.
A Constituição Federal assegura, no art. 5º, inc. LXXIV, que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". A assistência jurídica compreende a assistência judiciária, disciplinada pela Lei n.º 1.060/1950, e a assistência judiciária contém em si a gratuidade judiciária, de que o Código de Processo Civil trata nos arts. 98 a 102.
O art. 98, caput do CPC preceitua que "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". O pedido ao benefício, que pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo, em recurso ou em petição simples, se superveniente à primeira manifestação da parte na instância (art. 99, caput e § 1º), somente pode ser indeferido pelo Juiz se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo o Magistrado, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos (§ 2º).
Com relação à pessoa física requerente da gratuidade judiciária, o CPC dispõe, no art. 99, § 3º: "presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural". Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "a simples declaração de pobreza firmada pelo requerente, no pedido de assistência judiciária gratuita, tem presunção relativa, admitindo-se prova em contrário" ( AgInt no AREsp 632.890/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 30/10/2017). Nesse mesmo sentido: AgRg no AREsp 363.687/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 1º/7/2015; e AgInt no REsp 1916377/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2021, DJe 01/07/2021.
A presunção de hipossuficiência da pessoa física que assim se declare não basta pela autodeclaração como meio de prova ao deferimento do benefício, podendo ser desconstituída pelo juízo a partir de elementos demonstrativos de renda e patrimônio incompatíveis com a respectiva concessão.
Com relação às pessoas jurídicas em geral, tenham elas fins lucrativos ou não, não há presunção relativa decorrente de autodeclaração de hipossuficiência, aplicando-se a elas o enunciado da Súmula n.º 481 do STJ: "faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais".
O exame do requerimento para a concessão da gratuidade judiciária pressupõe a avaliação concreta das circunstâncias e das provas concernentes à capacidade econômico-financeira da parte requerente em arcar com os ônus processuais, não sendo possível a adoção de critérios exclusivamente objetivos na análise da temática ( REsp 1797652/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/04/2019, DJe 29/05/2019). A propósito: REsp 1.706.497/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 16.2.2018; AgInt no AgInt no AREsp 868.772/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 26.9.2016; AgRg no AREsp 239.341/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 3.9.2013; AgInt no REsp 1.703.327/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.3.2018; e EDcl no AgRg no AREsp 753.672/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 29.3.2016.
Dessa forma, afirma-se passível de utilização como parâmetro o critério objetivo da renda bruta equivalente a cinco salários mínimos - consoante Enunciado n.º 49 do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul1 - não contrariando a jurisprudência do STJ, já que esta orienta a análise do caso concreto, vale dizer, do contexto dos elementos de prova apresentados pela parte, se de um lado exigíveis pelo julgador, de outro, por razões óbvias, passíveis e possíveis da parte alcançar, evitando-se atos inócuos e por demasia onerosos ao acesso à justiça.
Assim, ao Juiz ou Tribunal, na análise do requerimento ao benefício, compete explicitar fundamentação clara e condizente com a decisão a ser tomada, concedendo-o ou não; revogando-o ou não, à luz da análise do caso concreto, leia-se, da prova exigida pelo julgador, possível e, efetivamente, útil à analise do pleito da parte.
Caso a decisão não contenha fundamentação que denote a avaliação do caso concreto, com remissão às circunstâncias e às provas determinantes para o juízo de valor adotado, em especial se o contexto é capaz de infirmar/modificar a conclusão do indeferimento, o pronunciamento jurisdicional tende à caracterização de nulidade. Está-se diante de caso de ausência de justificação ou justificação deficiente, em afronta aos arts. 93, inc. IX da CF2 e 489, § 1º, incs. I a IV do CPC489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; [...]." data-tipo_marcacao= "rodape" title= "Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; [...].">3.
A decisão genérica de indeferimento "por não comprovar a necessidade", que não analisa os elementos exigidos pelo próprio julgador, a título de complementação, além de não oportunizar pontuais razões recursais, impõe, em verdade, ao fim e ao cabo, à instância recursal o exame do que não foi examinado.
Então, ainda que não se exija fundamentar sobre todos as teses arguidas, no caso, trata-se de exame de questão de fato, que impõe que o ato decisório decorra da valoração de elementos apresentados pela parte, frise-se, em geral, em cumprimento à prévia ordem judicial. Se da parte cabe exigir o comprometimento na produção de elementos a fim de que o julgador avalie a necessidade da concessão da benesse legal; a este cabe a mesma postura acerca da análise concreta sobre o que foi pedido e apresentado, ou não, restando, assim, em fundadas razões a conclusão acerca da (in) satifação das exigências legais. Isso porque a presunção da lei é a da boa-fé em alegar, autorizada a exigência de complementação porque não absoluta, e considerando, sempre, a análise do caso concreto.
Entendimento em contrário, implicaria, outrossim, em análise direta de elementos apresentados pela parte e indevida supressão de instância.
Ponderadas as questões jurídicas relativas ao requerimento da gratuidade, passo ao exame das circunstâncias do caso e do procedimento.
A agravante trouxe aos autos somente seu contracheque relacionado ao mês de setembro de 2021 que discrimina o valor mensal bruto recebido de R$ 9.540,30 e desconto de cerca de R$ 4.200, remanescendo R$ 5.336,59 (evento 1 - CHEQ5).
No caso concreto, o contracheque justifica a tomada da decisão no sentido de indeferir o benefício postulado. No caso, a parte têm rendimentos brutos que demonstram ultrapassar em muito o equivalente a cinco salários mínimos mensais, como um parâmetro utilizado pelo Centro de Estudo do Estado e da jurisprudência para concessão do benefício. No contexto dos autos, os elementos demonstrativos de renda são incompatíveis com a respectiva concessão.
Quanto ao pedido subsidiário para parcelamento de custas deve ser submetido ao juízo, sob pena de supressão de instância.
Neste contexto, a petição inicial do agravo de instrumento não impugna específica e suficientemente a decisão agravada de instrumento.
Com fundamento no artigo 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil, artigo 206, XXXV e XXXVI, do Regimento Interno e Súmula 568 do Superior Tribunal de Justiça, reafirmo a decisão agravada de instrumento e extingo o procedimento recursal.
Comunique-se. Registre-se. Intimem-se.