Trata-se de apreciar apelação interposta pela CREFISA S/A - CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS em face da sentença que, nos autos da ação revisional ajuizada por LEOCIDES SZULCZEVSKI, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados, em dispositivo assim exarado:
DIANTE DO EXPOSTO, julgo parcialmente procedentes os pedidos contidos na presente ação revisional de contrato ajuizada por LEOCIDES SZULCZEVSKI contra CREFISA S/A – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, na forma do artigo 487, I, do CPC, para o fim de:
a) limitar os juros remuneratórios à taxa média do mercado para o tipo de contratação, com correção monetária pelo IGP-M;
b) limitar no caso de inadimplência a incidência dos juros remuneratórios pela taxa média de mercado, que poderá ser cumulada com juros moratórios de 1% ao mês e multa de 2% ao mês;
c) condenar a requerida à compensação ou repetição do indébito na forma simples;
Diante da sucumbência recíproca e em maior parte pela ré, condeno a parte ré ao pagamento de 85% das custas processuais e a parte autora ao pagamento de 15% restantes. Fixo os honorários advocatícios em R$ 1.500,00, devendo o valor ser dividido na mesma proporção da sucumbência, qual seja, a parte ré arcará com 85% dos honorários ao procurador da parte autora e esta arcará com 15% do valor dos honorários ao procurador da parte ré, levando-se em conta o trabalho dispensado pelos patronos das partes, a complexidade da causa, o momento em que foi julgada a ação, tudo com base no artigo 85, § 8º do CPC.
Resta suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais à parte autora, ao passo que esta é beneficiária da AJG.
Havendo interposição de apelação pelas partes, dê-se vista à parte contrária para contrarrazões e após, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça, na forma prevista o art. 1.010 do Novo CPC.
Caso a parte apelada venha alegar preliminar ao recurso de apelação prevista no § 2º do art. 1.009 do Novo CPC, proceda-se vista à parte contrária/apelante no prazo de 15 dias, com posterior remessa do recurso ao Tribunal de Justiça.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Foram opostos embargos de declaração (Evento 3 - PROCJUDIC3, fls. 32/35), os quais restaram desacolhidos (Evento 3 - PROCJUDIC3, fl. 40).
Em suas razões recursais (Evento 3 - PROCJUDIC3, fl. 44 e seguintes), a parte apelante sustentou que não existe lei que estabeleça a limitação dos juros remuneratórios. Pontuou que a revisão dos juros só tem cabimento em hipóteses excepcionais e que a utilização da taxa média como critério exclusivo não é apropriada. Destacou, na hipótese de manutenção da revisão dos juros, a aplicação da taxa média para o empréstimo pessoal não consignado. Defendeu o descabimento da restituição dos valores. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, para o fim de julgar improcedentes os pedidos veiculados na presente ação.
Com as contrarrazões (Evento 3 - PROCJUDIC4, fl. 19 e seguintes), vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Cuida-se, na origem, de ação revisional de contrato, cujos pedidos foram julgados parcialmente procedentes, razão da interposição da presente apelação pela parte ré.
Dito isso, passo ao exame das questões controvertidas.
Juros remuneratórios:
Os juros remuneratórios exigidos pelas instituições financeiras não mais se submetem às limitações da Lei da Usura, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, na Súmula 596:
Súmula nº 596: As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.
Com efeito, a questão que versa acerca da limitação dos juros remuneratórios restou pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, ao asseverar que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação do encargo ao patamar de 12% ao ano.
Nesse sentido, colaciono ementa do julgado supracitado:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado. (...). I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...). Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício. Ônus sucumbenciais redistribuídos. (STJ - REsp: XXXXX RS 2008/XXXXX-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/10/2008, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/03/2009). (grifei).
Tal entendimento restou consolidado pela Corte Superior na Súmula nº 382 do STJ, que assim dispõe: “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.”
Da mesma forma, é incabível a utilização da taxa SELIC em substituição a eventual taxa abusiva, uma vez que esse indicador não pode ser utilizado como parâmetro para limitação dos juros remuneratórios, já que não representa a taxa média praticada pelo mercado.
A propósito, segue o precedente do Superior Tribunal de Justiça:
É assente neste colegiado o entendimento no sentido de que a Taxa Selic não representa a taxa média praticada pelo mercado, sendo, portanto, inviável sua utilização como parâmetro de limitação de juros remuneratórios. ( AgRg no REsp XXXXX / RS, Relator Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região), 4ª Turma, Data do Julgamento 12/08/2008 Data da Publicação/Fonte DJU de 29/09/2008)
Registra-se, ainda, que descabe a utilização da Lei nº 4.595/64 ( Lei da Reforma Bancária), para os fins de limitação da taxa dos juros de normalidade.
Na esteira do entendimento sedimentado pelo STJ, para verificação da configuração de abusividade, deve-se fazer um comparativo entre as taxas de juros exigidas pela instituição financeira e as constantes da tabela divulgada pelo BACEN, observando-se as mesmas operações de crédito e atentando-se para a data do pacto entabulado.
Portanto, tão somente nas situações em que restar cabalmente demonstrada a abusividade do encargo é que se admite a limitação dos juros contratados pelas partes.
Dito isso, cabível a revisão da taxa de juros contratada apenas em situações excepcionais, em que evidenciada a abusividade do encargo, considerando a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, a data da contratação e a natureza do crédito concedido.
No caso em testilha, de acordo com as informações constantes nos autos, verifica-se que as partes entabularam dois contratos de empréstimo pessoal, identificados pelos números XXXXX e XXXXX (Evento 3 - PROCJUDIC1, fls. 17/22 e PROCJUDIC2, fl. 50, respectivamente).
Os referidos instrumentos contratuais estabeleceram os juros remuneratórios nos percentuais de 18,50% ao mês e 666,69% ao ano. Entretanto, para a mesma modalidade e período (agosto e dezembro de 2018 - crédito pessoal não consignado vinculado à composição de dívidas), a taxa média apurada pelo Banco Central foi de 3,95% ao mês e 59,15% ao ano para o mês de agosto e 3,77% ao mês e 55,85% ao ano para o mês de dezembro.
Ambos os instrumentos contratuais vinculam o crédito liberado à confissão de dívida, conforme evidenciam os quadros denominados Confissão de Dívida e Autorização, os quais indicam os números dos contratos abrangidos, a quantidade de parcelas e os valores.
Assim, verificada a abusividade nos encargos contratados e não estando presentes elementos que impeçam a aplicação da taxa média apurada pelo Bacen para as operações de crédito pessoal não consignado vinculado à composição de dívidas, os juros remuneratórios pactuados devem ser limitados, nos termos supra.
Desse modo, no ponto, vai desprovido o recurso de apelação, mantendo-se hígida a sentença que limitou os juros remuneratórios dos contratos à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen.
Compensação e/ou repetição de indébito.
Na hipótese de haver pagamento a maior, independentemente da prova do erro, é admitida a compensação e/ou repetição do indébito, consoante entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 322: “Para a repetição de indébito, nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, não se exige a prova do erro”.
Em outras palavras, no caso de ser apurado eventual excesso, esse poderá ser compensado com o restante da dívida, ou, se a obrigação restar quitada, a sua devolução, de forma simples, e não em dobro, porque esta exige alegação e comprovação de má-fé.
Nesse sentido, o entendimento do egrégio STJ:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DE QUANTIA PAGA INDEVIDAMENTE. EXIGÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DE MÁ-FÉ. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. SÚMULA 83 DO STJ.
1. Inviável a repetição em dobro do indébito sem prova inequívoca da má-fé do credor, que não pode ser presumida.
2. A verificação da ocorrência de má-fé, a justificar a devolução em dobro dos valores pagos, demanda o reexame da matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7 do STJ.
3. A Corte estadual julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incidente, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
( AgInt no AREsp 779.575/PB, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 21/10/2016) (grifei).
No item, vai desprovido o recurso de apelação.
Dessa forma, a manutenção da sentença é medida impositiva, razão pela qual vai desprovido o recurso interposto.
Diante do resultado do julgamento, fica mantida a distribuição da sucumbência fixada na origem. Em relação aos honorários advocatícios arbitrados em favor do procurador da parte autora, vão majorados para R$ 1.800,00, atento este relator ao trabalho desenvolvido pelo causídico e a regra prevista no artigo 85, § 11 do CPC.
Isso posto, voto por negar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação acima explicitada.