Estou desacolhendo a pretensão recursal.
No caso dos autos, vê-se que o recorrente pretende a compensação de valores adimplidos extrajudicialmente, sob o fundamento da existência de acordo entre as partes de compensação do recebimento do parte da genitora dos alimentos de aluguéis de parte do imóvel do antigo casal.
No entanto, convém lembrar o recorrente que a dívida de alimentos não se sujeita a compensação ex vi do art. 373, inc. II, do Código Civil, motivo pelo qual tal linha de argumentação se mostra totalmente vazia para obter o reconhecimento do alegado acordo referente à obrigação alimentar.
Lembro, pois, que a compensação se dá quando ocorre encontro de créditos entre duas pessoas ao mesmo tempo credoras e devedoras, uma da outra, sendo forma de extinguir as dívidas até o montante da concorrente quantia.
Assim, mesmo sendo o alimentante credor da representada dos alimentandos, não pode abater o seu crédito do valor da pensão de alimentos, pois o art. 1.707 do Código Civil tem clareza solar ao dispor que o crédito alimentar é “insuscetível de cessão, compensação ou penhora”, sendo que o inc. II do art. 373 do precitado diploma, estabelece que “a diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos”. E, como regra, convém destacar que os alimentos, além de incompensáveis, são irrepetíveis também.
Portanto, tratando-se de crédito com natureza alimentar e que merece a especial proteção que lhe assegura a lei, justifica-se eventual penhora, pois a dívida é referente às necessidades básicas dos alimentandos, que dizem com os seus compromissos diuturnos e destinados ao sustento dos alimentandos.
Com esse enfoque, tenho que, não estando demonstrada a impossibilidade absoluta do devedor de pagar os alimentos, nem sendo ponderável a justificativa oferecida, é cabível a eventual expropriação dos bens do alimentante.
Com tais considerações, acolho o parecer ministerial de lavra do ilustre PROCURADOR DE JUSTIÇA FABIO BIDART PICCOLI, que trascrevo, in verbis:
3. De resto, tem-se que o presente cumprimento de sentença objetiva a cobrança de alimentos em atraso a partir de maio de 2019 (Evento 20 do processo), de modo que irrelevantes os comprovantes de pagamento acostados aos autos referentes ao ano de 2018 (Evento 61, COMP21). Assim, vai rechaçada a tese de excesso de execução.
Depois, depreende-se da análise dos autos que a notícia de que os dois filhos mais velhos passaram a residir com o pai já foi considerada pelo MM. Juízo a quo para converter o rito da execução para o da expropriação patrimonial, in verbis (Evento 78 do processo originário, grifo original):
“(...)
Por outro lado, o fato do executado estar com a guarda, ainda que fática de dois dos filhos do casal, não permite o prosseguimento desta execução pelo rito da prisão, pois em caso de prisão do executado os dois filhos que estão com ele, a princípio ficariam ao desamparo, o que não quer dizer que o executado não que pagar os alimentos em atraso.
Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE a justificativa apresentada pelo executado, uma vez que descaracterizada a urgência e atualidade da presente execução, restando inviável o prosseguimento desta demanda pelo rito da prisão, de modo que a CONVERTO para o rito da expropriação patrimonial.”
Ocorre que, ao contrário do que insiste o devedor- agravante, tal fato não obsta o prosseguimento da ação. Isso porque, em se verificando que os alimentos foram arbitrados indistintamente em favor dos três filhos (Evento 1, OUT8 e OUT12, do processo originário), há solidariedade entre os credores, porquanto a obrigação foi instituída intuitu familiae. Conforme a jurisprudência consolidada desse colendo Grupo Cível, nesse caso descabe a redução automática do quantum alimentar:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. EXIGIBILIDADE DE CERTAS PARCELAS. São 03 alimentados, e os alimentos foram fixados de forma "intuitu familiae". Nesse contexto, o fato (aliás negado veementemente) de que uma das alimentadas teria residido com o alimentante durante 02 meses, não retira a exigibilidade destas prestações. Na fixação "intuitu familiae" há solidariedade entre credores, de forma que há legitimidade para um (ou mais do que um) cobrar a integralidade do que é devido. DERAM PROVIMENTO. ( Agravo de Instrumento Nº 70071834881, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 06/04/2017. Grifou- se.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO E REDUÇÃO DE ALIMENTOS. FILHOS MENORES E MAIORES. A obrigação alimentícia foi estabelecida intuitu familiae e, segundo compreensão pacificada nesta Corte, descabe proceder-se à redução automática do quantum alimentar, ainda que em tese seja provável a exoneração em relação a um ou mais dos credores. RECURSO DESPROVIDO. ( Agravo de Instrumento Nº 70072095300, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 06/04/2017. Destaque aposto.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ARTIGO 733 DO CPC. O mero implemento da maioridade para um dos filhos no curso do processo não autoriza a exoneração do alimentante em relação a este filho, nem permite a redução da verba alimentar estabelecida. A discussão acerca da necessidade/possibilidade extrapola os limites da execução de alimentos. AGRAVO IMPROVIDO. UNÂNIME. ( Agravo de Instrumento Nº 70068127158, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 30/06/2016)
Dessa forma, porque o filho Marcos Vinicius permanece com a mãe, ele continua sendo parte legítima para, representado pela genitora, executar a integralidade da dívida alimentar.
Por fim, absolutamente inviável compensar o débito alimentar exequendo com valores devidos pela ex-companheira em razão da partilha de bens.
Primeiro, porque a titularidade do crédito de alimentos não é da genitora, não podendo ela compensá-lo com dívida particular. Segundo, porque não se pode admitir a alteração do encargo alimentar de forma unilateral, situação que, se permitida, ofenderia a segurança jurídica. Terceiro, porque, de acordo com o disposto no art. 373, inciso II, e art. 1.707, ambos do Código Civil, os alimentos são incompensáveis e irrepetíveis.
Destarte, eventual ressarcimento do valor do aluguel é questão a ser resolvida entre os genitores na via própria.
Vale referir:
EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. TÍTULO EXECUTIVO LÍQUIDO, CERTO E EXIGÍVEL. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. DESCABIMENTO. 1. Mesmo que o patrimônio do casal ainda não tenha sido partilhado, não pode o devedor retirar da pensão alimentícia que deve à ex- mulher, os valores relativos às despesas com os bens do casal, pois o crédito alimentício é insuscetível de cessão e compensação. Inteligência do art. 1.707 do CCB. 2. As questões relativas à divisão dos bens comuns do casal, decorrentes da dissolução da sociedade conjugal devem ser resolvidas na partilha, não se podendo confundir as pendências patrimoniais com o atendimento da obrigação alimentar. Recurso desprovido. (Apelação Cível, Nº 70064182652, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em: 24-06-2015. Grifou-se.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PARTILHA DE BENS. EFEITO SUSPENSIVO. COMPENSAÇÃO. PARTES DISTINTAS. DESCABIMENTO. 1. A recorrente pretende seja deferida, em antecipação de tutela, o efeito suspensivo à ação de execução que lhe move o embargado, onde reclama o pagamento da sua meação relativamente à partilha de bens estabelecida na dissolução de união estável. 2. Dispõe o art. 739-A do CPC que os embargos do executado não possuem efeito suspensivo, sendo possível deferir o efeito suspensivo, como exceção, quando o juiz constata serem relevantes os fundamentos da impugnação e o prosseguimento da execução seja manifestamente descabido. 3. Descabe a suspensão pretendida, no caso, pois inexiste possibilidade de haver compensação, já que o embargado está promovendo execução das parcelas devidas em razão da partilha dos bens, que foi ajustada na dissolução de união estável, enquanto o fundamento argüido pela recorrente é que o embargado é devedor dos alimentos em relação à filha, tratando-se, pois, de outra relação jurídica. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento, Nº 70051285278, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em: 21-11-2012. Grifou- se.).
Diante do exposto, manifesta-se o Ministério Público pelo parcial conhecimento e, na parte conhecida, pelo desprovimento do recurso.
ISTO POSTO, voto por negar provimento ao recurso.