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19 de Abril de 2024
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    Entrevista: Juiz Luciano André Losekann, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre: A sociedade tem de se dar conta de que, como está, hoje, é que a criminalidade não tem encontrado mai

    Para não piorar a superlotação e enquanto não houver vagas no sistema prisional, mandados de prisão definitiva contra os réus que responderam ao processo em liberdade somente serão expedidos em casos de crimes hediondos ou considerados equiparados ou naqueles em que houver risco de prescrição da pena.

    Esta foi a principal conclusão do Encontro de Juízes de Execução Criminal do Rio Grande do Sul recentemente realizado em Porto Alegre, com a presença de cerca de 80 Juízes de Direito que têm jurisdição sobre casas prisionais de todo o Estado. A deliberação não afeta as prisões em flagrante e preventivas. O Encontro ocorreu nos dias 4 e 5/6, e foi organizado pela Corregedoria-Geral da Justiça.

    Sobre tal medida o Juiz de Direito Luciano André Losekann, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, responde os questionamentos a seguir:

    Essa deliberação dos Juízes gaúchos não é contra a lei de execuções, que determina que, com o trânsito em julgado, seja imediatamente expedido o mandado de prisão?

    Em absoluto. Não estamos deixando de determinar, no âmbito da Vara das Execuções Criminais, a expedição de mandados de prisão, mas, isso sim, expedindo-os à medida que o Executivo disponibilize as necessárias vagas no sistema prisional, que hoje, simplesmente, não existem. Há uma inapetência muito grande do Estado-administração na área prisional e temos de deixar de ser coniventes com situações de sistemático desrespeito aos mais comezinhos direitos humanos.

    "A lei deve ser cumprida tanto

    quando se manda prender, como, também,

    quando exige sejam satisfeitas

    mínimas condições para o encarceramento"

    Quando ingressamos na carreira da magistratura, nosso juramento impõe, em primeiro lugar, observância aos ditames da Constituição Federal , e esta diz que um dos princípios vetores de nossa República Federativa é o da dignidade da pessoa humana. Não posso, como Juiz, continuar sendo partícipe da falta de condições permanentes no sistema prisional.

    "O mais fácil para qualquer Juiz

    seria continuar ignorando esse estado de coisas

    e continuar, por via oblíqua, contribuindo

    para o abarrotamento desumano das prisões"

    A lei deve ser cumprida tanto quando se manda prender, como, também, quando exige sejam satisfeitas mínimas condições para o encarceramento. A lei não pode vigorar para uns e ser olimpicamente ignorada para outros, mormente pelo juiz da execução penal, cujo trabalho é o de, justamente, aquilatar quais são os direitos da pessoa presa. O mais fácil para qualquer juiz seria continuar ignorando esse estado de coisas e continuar, por via oblíqua, contribuindo para o abarrotamento desumano das prisões, como se isso não fosse, também, um problema seu. Daí a sistemática de só expedir o mandado quando tivermos assegurada a vaga, com e em mínimas condições de humanidade.

    Quais são os crimes hediondos e quais seriam os crimes considerados equiparados?

    A Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso XLIII) previu que lei federal consideraria inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Em 25 de julho de 1990 foi editada a Lei 8.072 (posteriormente alterada por uma série de outros diplomas legais), que listou quais seriam os tais crimes hediondos de que cogitou a Constituição , a saber: homicídio (Código Penal - CP -, art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (CP , art. 121 , § 2 o , I, II, III, IV e V); o latrocínio (CP , art. 157 , § 3 o , in fine ); a extorsão qualificada pela morte (CP , art. 158 , § 2 o ); a extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (CP , art. 159 , caput , e §§ l o , 2 o e 3 o ); o estupro (CP , art. 213 e sua combinação com o art. 223 , caput e parágrafo único); o atentado violento ao pudor (CP , art. 214 e sua combinação com o art. 223 , caput e parágrafo único); a epidemia com resultado morte (CP , art. 267 , § 1 o ) e, mais recentemente, a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (CP , art. 273 , caput e § 1 o , § 1 o -A e § 1 o -B.

    Também é considerado hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1 o , 2 o e 3 o da Lei n o 2.889, de 1 o de outubro de 1956, na forma tentada ou consumada. Assim, tem-se a listagem dos delitos considerados hediondos, de sorte que a eles são equiparados, conforme o sobredito inciso XLIII do art. da Constituição (a) a tortura, (b) o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e (c) o terrorismo. São delitos equiparados aos hediondos com o objetivo de receber por parte do Estado-Juiz o mesmo tratamento penal e processual que se reserva aos primeiros.

    "A orientação que foi plasmada no Encontro realizado

    é a de evitar, o quanto se puder, a hiperlotação

    dos precaríssimos e fétidos estabelecimentos penais"

    Todos os Juízes são obrigados a seguir essa orientação?

    Não. Trata-se, apenas, de uma forma de agir articuladamente, sem vincular qualquer juiz. Cada magistrado deverá analisar o seu processo e decidir se é, ou não, caso de imediata expedição do mandado de prisão. Há situações que não podem esperar e, por isso mesmo, deve-se expedir, nessas hipóteses, prontamente, o mandado de prisão.

    A orientação que foi plasmada no Encontro realizado é a de evitar, o quanto se puder, a hiperlotação dos precaríssimos e fétidos estabelecimentos penais, justamente por pessoa que respondeu e está, ainda, em liberdade e não apresenta, num primeiro momento, maior periculosidade. É claro que chegará um momento em que esse mandado, mal ou bem, deverá ser expedido, até para evitar a prescrição do delito.

    "O que dizer de um sistema prisional

    no qual drogas e armas entram sem problemas

    e o crime é comandado do interior das prisões?"

    Efetivamente, essa medida não trará problemas de segurança para a sociedade, uma vez que criminosos permanecerão soltos?

    Em princípio, não, pois como antes referido, essas pessoas responderam ao processo em liberdade e continuam nessa condição. A sociedade tem de se dar conta de que, como está, hoje, é que a criminalidade não tem encontrado maiores resistências.

    O que dizer de um regime semiaberto sem qualquer controle estatal efetivo, no qual, até pouco tempo atrás, fugiam 90, 100 presos por mês, e muitos deles para praticar novos delitos? Como admitir que presos que praticaram delitos de menor potencial ofensivo sejam misturados a outros que praticaram crimes violentos e que ferem, profundamente, a ordem social? O que dizer de um sistema prisional no qual drogas e armas entram sem problemas e o crime é comandado do interior das prisões?

    "Se se puder evitar que pessoas que ainda

    não foram contaminadas

    por esse cruel sistema sejam segregadas

    sob essas mesmas condições, melhor"

    É isso, precisamente, que está na ordem do dia. Esses problemas são fruto direto do atual estado de superlotação das casas prisionais, da ausência do Estado-administração e do sentimento de vingança ainda existente na sociedade contemporânea, que, infelizmente, acredita ou finge que acredita que, em e sob tais condições, um criminoso deixará de ser não-criminoso. É o Juiz, e ninguém mais, que manda as pessoas para o cárcere. Se se puder evitar que pessoas que ainda não foram contaminadas por esse cruel sistema sejam segregadas sob essas mesmas condições, melhor.

    A realização de um mutirão para verificação da situação de cada preso não seria uma medida para diminuir a superlotação das casas prisionais, uma vez que se sabe que muitos que estão presos já progrediram na pena e continuam recolhidos?

    Não acredito que mutirões atendam à permanente necessidade de justiça no meio prisional. O que precisamos, com urgência, na esfera da execução penal é fortalecer mecanismos constitucionais e legais já existentes, a fim de que alguém que seja preso tenha acompanhamento constante. Uma forma de se alcançar isso é equipar e dotar a Defensoria Pública do Estado de número suficiente de profissionais para atuar em todos os estabelecimentos, até mesmo em procedimentos administrativos.

    "A Defensoria Pública que atua

    junto à VEC de Porto Alegre,

    após diálogo com os Juízes da execução,

    está realizando, desde maio passado,

    uma espécie de mutirão"

    Mais: deve haver uma "paridade de armas" entre a Defensoria Pública e o Ministério Público, em todos os sentidos - inclusive remuneratórios - pois só assim deixaremos de ter um processo de execução penal que é, em boa parte, capenga, por impossibilidade de melhor e maior atendimento. Vale lembrar, nessa trilha, que a Defensoria Pública que atua junto à VEC de Porto Alegre, após diálogo com os juízes da execução, está realizando, desde 5 de maio passado, uma espécie de mutirão. Estão sendo analisados todos os processos nos quais o preso não possui defensor constituído, que são a grande maioria, um a um, por ordem alfabética. Para nosso contentamento, poucos têm sido os casos de irregularidades, que, quando encontrados, estão sendo resolvidos. Mesmo assim, tem-se que esse é um trabalho permanente, contínuo, que não pode se esgotar com iniciativas isoladas e pontuais.

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